Avaliação ou aprovação? Um equívoco que vem de longe

Confusão é matéria-prima para batalha de narrativas e não pode ser naturalizada

Por Antonio Lavareda* — São Paulo 15/05/2023 04h30 – publicado em Pulso de O Globo

Finalmente, depois de uma expectativa que se arrastou por meses, Joe Biden lançou no dia 24 último a sua candidatura à reeleição. “Let’s finish the job”, concluiu no vídeo de três minutos. Os críticos não perderam a oportunidade de chamar a atenção para as pesquisas divulgadas na mesma semana que apontavam um grande número de democratas desejosos de outra opção. E ainda mais importante, que o presidente mantinha uma aprovação baixa, de apenas 40% na média dos levantamentos.

Na verdade, esse apoio de quatro em cada dez americanos não chega a ser um argumento inviabilizador do projeto. Reagan tinha, na mesma altura do percurso, marca parecida (39%). Porém, qual teria sido o efeito político eleitoral se, em vez de 40%, o percentual anunciado fosse apenas os 22% que em pesquisas como a Marist Poll ou a Fox News Poll correspondiam aos que “aprovavam fortemente” o seu trabalho? Óbvio que a reeleição seria carimbada de logo como um sonho impossível. A “aprovação” dos governantes é o item mais frequente nas pesquisas desde que George Gallup o introduziu em julho de 1939. Não há melhor preditor das chances de reeleição dos mesmos, bem como da sua capacidade de influenciar os demais poderes e de impulsionar a própria agenda.

No Brasil, dados das pesquisas sobre o desempenho do presidente Lula feitas no primeiro quadrimestre deste ano por quatro institutos¹ foram estampados 16 vezes na primeira página dos cinco principais jornais do país.² Esses títulos naturalmente se multiplicaram nas TVs, nas rádios, nos blogs e nas redes sociais. Com percentuais que variaram, na média, de 38% a 58%. Discrepância aparentemente inexplicável que deve ter desnorteado os leitores. Qual o motivo? Simplesmente, 56% dos títulos estavam errados. Confundiam avaliação com aprovação. Na verdade, nesse período, 58% foi a média mais alta da “aprovação” ao governo. Ao passo que a média da “avaliação expressamente positiva” mais baixa foi de 38%. A diferença é fonte de confusão para quem lê; matéria-prima para a batalha de narrativas; e, como não poderia deixar de ser, um fator de desgaste adicional para a imagem das pesquisas. A origem disso é fácil de entender. Não ocorreu só agora. O equívoco vem de longe. Mas o fato de ser um problema antigo não significa que deva ser naturalizado.

Aprovação: a pergunta é dicotômica “aprova ou desaprova?” ou pode ser em escala como “aprova fortemente”, “aprova”, “não aprova, nem desaprova”, “desaprova” e “desaprova fortemente”. Quando as escalas são usadas, se somadas as duas categorias positivas e as duas negativas, chega-se a um conjunto das atitudes positivas e negativas diante de um governo assim como ocorre no formato dicotômico “aprova ou desaprova?”.

Avaliação: “ótimo/bom/regular/ruim/péssimo”. Avaliações expressamente positivas (ótimo/bom) e expressamente negativas (ruim/péssimo) deixam de fora atitudes positivas e negativas que estão contidas na categoria “regular”. Resultados não podem ser confundidos com “aprovação”.

As opiniões sobre um governo, bem como sobre outros objetos, podem ser mensuradas de forma dicotômica, como desde o início dos inquéritos (exemplo: aprova ou desaprova) ou as atitudes também podem ser graduadas por meio de escalas com palavras, números, ou ambos, modelo que leva o nome de Likert, o psicólogo social que o concebeu. Assim, metade dos dez institutos americanos de maior prestígio ranqueados pelo FiveThirtyEight usa desde sempre apenas o enfoque binário (aprova/ desaprova), e metade lança mão de escalas (“aprova fortemente”, “aprova”, “não aprova nem desaprova”, “desaprova”, “desaprova fortemente”). Há diferenças na exata formulação da pergunta (wording) por cada investigador, embora a referência ao “trabalho que o presidente X está fazendo” seja a mais comum. Mas nenhum deles recorre à avaliação adjetivada usada entre nós (ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo). E todos eles usam uma única pergunta.

Aqui, diferentemente, a maioria dos institutos lança mão de duas questões: uma com escala de “avaliação”, outra, dicotômica, de “aprovação”. E daí deriva a confusão na mídia entre uma coisa e outra. Das casas tradicionais, com mais de duas décadas na praça, apenas o Datafolha não inclui a pergunta de “aprovação”. Na cobertura da imprensa é frequente vermos denominada como “aprovação” o que na verdade é tão somente a avaliação “expressamente positiva”, deixando-se à margem as atitudes positivas contidas no segmento que classifica o governante como “regular”. O que fica demonstrado com clareza no cruzamento das respostas às duas indagações.³

Ou seja, além de tomadas recorrentemente como sinônimos, o que não são, também se faz amiúde uma equivalência entre o que é aprovação (expressando o conjunto das atitudes positivas) e o que representa apenas o equivalente a uma parte delas — a avaliação expressamente positiva (ótimo/bom) da administração.

As pesquisas no Brasil foram submetidas na última disputa presidencial a um ataque sem tréguas do negacionismo científico politicamente motivado. No entanto, também é certo que por vezes institutos e veículos escorregaram no esclarecimento ou na interpretação dos dados, como se deu na “pane analítica” verificada imediatamente após o primeiro turno. Portanto, há necessidade de uma didática incessante sobre como elas são feitas, e sobretudo como devem ser lidas. Os institutos têm promovido junto aos jornalistas uma boa reflexão sobre os diferentes métodos de coleta e as principais características amostrais. É hora de focar com igual ênfase a formatação e a redação das questões. E de explicar como isso impacta potencialmente nos resultados. Ajudaremos muito se sempre anexarmos os questionários aos relatórios divulgados ou pelo menos incluirmos as perguntas no rodapé de gráficos e tabelas.

Todos temos algo a melhorar na nossa comunicação com a imprensa para auxiliá-la a apresentar à sociedade as informações provenientes das pesquisas de forma cada vez mais fidedigna. Afinal, conhecer a opinião pública, em especial no que concerne aos mandatários, é essencial para a democracia representativa. Insubstituível para governantes, políticos em geral e sobretudo para a própria cidadania. Para que ela possa se conhecer por inteiro, ver-se completa no espelho, especialmente nessa época em que seu olhar cotidiano está enclausurado em bolhas virtuais.

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¹ O Globo, “Folha de S.Paulo”, “O Estado de S.Paulo”, Valor e “Correio Braziliense”.

² Ipec, Ipespe, Datafolha e Quaest.³ Na pesquisa Ipespe de abril, 45% dos que avaliam o governo Lula como “Regular” o “Aprovam”; 32%, “Desaprovam”; e 23% não responderam.

Os pagadores de promessas

Boa avaliação de governantes reflete fidelidade a compromissos eleitorais

Imagem de Cláudia Liz para a Folha de S.Paulo
Imagem de Cláudia Liz para a Folha de S. Paulo

Todo governante, seja ele presidente, governador ou prefeito, tem como “core” da avaliação do mandato a percepção pela opinião pública do seu empenho no cumprimento das principais propostas apresentadas na campanha eleitoral. Uma primeira impressão disso é fotografada nos 100 dias de gestão. Mas por que não 60, 90 ou 120 dias?

Franklin Delano Roosevelt inventou essa marca. Seus 100 dias se deram em 12 de junho de 1933, mas foi somente em 25 de julho que chamaria atenção para “os primeiros 100 dias que foram devotados a pôr em movimento as rodas do New Deal”. Ele se referia à avalanche de leis aprovadas no Congresso dos Estados Unidos em ritmo vertiginoso, algumas tramitando em um único dia na Câmara e no Senado. Todas voltadas à promessa síntese que o levara à Presidência: vencer a Grande Depressão que se arrastava desde 1929. A largada do seu governo correspondeu à expectativa dos americanos. E esse marco temporal virou referência obrigatória para qualquer governante mundo afora.

Pesquisas de diferentes institutos mostraram que os eleitos no pleito passado apareceram bem na foto deste momento. Lembrando que, se formos comparar a avaliação ou a aprovação de governantes (que a rigor são coisas distintas, medidas por perguntas diferentes) com os resultados eleitorais obtidos antes pelos mesmos, devemos usar os percentuais relativos ao total do universo (eleitorado). Os dados das urnas precisam dizer respeito ao total do eleitorado, não aos votos válidos anunciados pelo TSE na apuração.

Lula teve 38% de ótimo/bom no Datafolha, parecidos com os 39% apontados pelo Ipec, que lhe deu ainda 53% de aprovação. O Datafolha não faz essa pergunta, mas indagou sobre o restante do mandato e colheu número próximo, um ótimo/bom de 50%.

Quanto o presidente obtivera no segundo turno? 38,6% do total, contra 37,2% de Bolsonaro. Comparadas as pesquisas de agora com as urnas, é óbvio que o desempenho de Lula foi bastante positivo. A que se deve isso? Seu governo pôs em marcha a maior parte dos compromissos repetidos na TV e nas redes durante a campanha: Bolsa Família de R$ 600 mais R$ 150 para as crianças de até 7 anos; salário mínimo com aumento real; Minha Casa, Minha Vida de volta; povos indígenas empoderados; combate ao garimpo ilegal; reinserção do país no cenário internacional. E a defesa da democracia, que ganharia relevo após o 8 de janeiro.

Os críticos cobram “novidades”, mas a tônica da campanha foi a reconstrução de programas que Jair Bolsonaro havia posto abaixo. E o conteúdo do “mandato” se situou na dimensão social “lato sensu”. Fica faltando a “picanha aos domingos”, metáfora para a melhora da economia. Roosevelt pôde festejar indícios de recuperação ainda em 1933. Mas seu desafio foi facilitado por uma maioria democrata de 60% na Câmara e de 65% no Senado.

Governadores que buscaram ser fiéis aos seus compromissos conquistaram resultados semelhantes. Vejamos dois exemplos de partidos diferentes. O governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), marcou 44% de ótimo/bom no Datafolha. Nada mal para quem obteve no segundo turno sobre o total do eleitorado 38,9% ante 31,5% de Fernando Haddad (PT). E comemorou um patamar de ruim/péssimo muito baixo (11%). Raquel Lyra, tucana pernambucana, primeira mulher a dirigir o estado, também cresceu.

Recebeu 63,1% de aprovação no Recife, conforme o Paraná Pesquisas. No segundo turno havia alcançado 52% na capital. Tarcísio, desde a composição da equipe, não poupou acenos à base que o elegeu, festejou as privatizações e se firmou como direita moderada e democrática. Raquel, por seu lado, não descurou em simbolizar insistentemente o compromisso de mudanças que a levou ao poder.

Houve, como sempre ocorre, toda sorte de problemas, tragédias e escorregões retóricos, além dos atropelos políticos. Mas essas dificuldades não se sobrepõem —na ótica do eleitor— à avaliação da ação efetiva dos governantes. Nos 100 dias, se ele percebe que os recém-vitoriosos estão se esforçando para pagar as promessas, dobra sua aposta, reiterando apoio nas pesquisas. E mesmo alguns dos que não votaram nos vitoriosos se somam ao otimismo.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 16/4 na página A3 – Tendências e Debates

Modelo viciado leva à Câmara 513 empreendedores individuais

Regra eleitoral obsoleta inviabiliza enraizamento dos partidos na sociedade e fragiliza democracia

Publicado no Caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 9/03/2023 às 10h

[RESUMO] Quando a democracia é alvo de ataques, além de defendê-la é necessário revigorá-la, afirma cientista político. Atual modelo de votação proporcional sem ordenamento da lista de candidatos, combinado com grandes distritos eleitorais (estados), incentiva a competição interna desenfreada, danifica a coesão partidária e inviabiliza o vínculo de eleitores e partidos. País deveria adotar o modelo de listas ordenadas, em que se vota nas siglas, como forma de partidarizar a sociedade.

Edmund Burke, o pai do conservadorismo, jamais poderia imaginar que o seu conceito de “livre representação” encontraria o paroxismo nos trópicos brasileiros.

Sessão de posse dos deputados eleitos para a próxima legislatura na Câmara dos Deputados, em fevereiro deste ano – Pedro Ladeira-1.fev.23/Folhapress

No “Discurso aos Eleitores de Bristol” (1774), declarou aos que o sufragaram ao Parlamento britânico que o exercício do seu mandato estaria desvinculado deles, e somente obedeceria aos desígnios que ele próprio identificasse, não aceitando espelhar a vontade dos representados.

Pesquisas mostram, quatriênio após quatriênio, o Congresso brasileiro como o pior avaliado entre os nossos três Poderes —o Senado com nota melhor que a Câmara—, mas são rarefeitas ou muito superficiais as discussões a respeito.

Cita-se com frequência entre os problemas o excessivo fracionamento das bancadas, mas se tangencia sua extensão e origem. A fragmentação real, na verdade, é muitas vezes maior que a medida pela distribuição das representações partidárias, na qual o país é recordista.

Isso porque cada parlamentar leva consigo a consciência de que obteve seu mandato em uma lógica fundamentalmente individualizada, pois a maioria absoluta das legendas inexiste na mente do eleitor.

O ditame da Constituição de 1988 ao configurar nossa democracia consagrou o papel dos partidos, vedando a possibilidade de candidaturas avulsas, reservando-lhes no conjunto o monopólio da representação da sociedade. Entretanto, hoje eles são quase todos hidropônicos, como aqueles vegetais cujas raízes sem solo ficam mergulhadas em líquidos nutrientes.

São, na prática, organizações legais-burocráticas, sem vínculos diretos com a população, que cartorialmente chancelam candidaturas, organizam bancadas e, a partir do tamanho destas, extraem parcelas do fundo partidário, do fundo eleitoral e as muito ambicionadas fatias de verbas do Executivo.

Neste último caso, vez por outra a expectativa se frustra, e o apoio prometido sobe no telhado. Em que país do mundo um governo entrante anunciaria pela manhã que uma legenda ocuparia três pastas do seu ministério para, à tarde do mesmo dia, o líder parlamentar afirmar que ele e os colegas votariam de modo independente? E como é que se naturaliza algo assim?

No momento em que boa parte do país se mobiliza para coibir ataques à institucionalidade democrática, é imperioso reconhecer que, além de defendê-la, será imprescindível fortalecê-la, pois é exatamente a fragilidade que oportuniza o proselitismo e a sanha dos seus inimigos.

E isso convoca a participação de todos —políticos, sociedade civil e meios de comunicação— para revigorá-la. Há vários fatores que explicam as patologias do nosso sistema político, mas um deles tem um papel central nessa etiologia: o modelo de lista proporcional “desordenada” que o Brasil pratica de forma absolutamente singular nos seus detalhes, como mostraram Lavareda (1991), Giusti (1994), Nicolau (2017) e Costa Porto (2022), e que é nefasto por pelo menos cinco motivos.

1) Ele gera nos três níveis da federação contextos de seleção darwiniana. Disputas renhidas com um copioso número de concorrentes, o que, por si só, eleva às alturas o custo das mesmas. O triunfo é reservado em muitos casos aos campeões do “extrativismo”, sejam eles de esquerda, centro ou direita.

Por essa designação, entenda-se a capacidade de obter o máximo possível de recursos provenientes de emendas —no caso dos incumbentes, que beneficiarão prefeitosque os retribuirão com votos—, de doadores, do apoio de entidades, de organizações variadas, ou mesmo da fortuna familiar.

Ao final da jornada, temos na Câmara Federal, rigorosamente, 513 empreendedores individuais. De pouco adianta a ação afirmativa. Mulheres tiveram direito a 30% do fundo eleitoral. Pouco afeitas à briga de cotoveladas dessa competição, só elegeram 18% das vagas.

O extrativismo mencionado é, a princípio, legal, mas nem sempre, como a imprensa já cansou de registrar. Por conta disso, circulam rumores de campanhas orçadas ano passado em valores estratosféricos —mais de R$ 10 milhões, de R$ 20 milhões, e até mais de R$ 50 milhões. Algumas exitosas, outras não. O certo é que, embora haja também uma parcela expressiva de recursos públicos envolvidos, é impossível a Justiça Eleitoral fiscalizar a contento 28.274 contas.

Não pode ser saudável um modelo que, pelo seu custo, induz à busca desenfreada de recursos, e que não resistiria a um exame com lupa da contabilidade dos concorrentes. Por quanto tempo a política continuará a bailar na beira desse abismo?

2) O sistema alveja no cerne a coesão partidária, ao transpor para o interior de cada legenda o grau máximo de competição. O principal adversário do candidato não é um antagonista de outra agremiação, mas o seu colega de partido que pode ocupar o lugar que lhe caberia em função do número de cadeiras que supostamente será alcançado pela sigla.

A partir daí, o “vale tudo” se estabelece, e a linha da cintura é ignorada. A crônica política fornece exemplos à mão cheia de episódios de antropofagia entre correligionários.

3) Promove uma exacerbada personalização da representação. Apenas 15 dias após a votação do primeiro turno em 2022, pesquisa Ipespe/Abrapel apontou que 50% dos entrevistados não lembravam o nome do partido dos candidatos em quem tinham votado para a Câmara Federal e assembleias estaduais. A pesquisa não checou se os demais lembravam corretamente das siglas. Provavelmente parte significativa não cumpriria esse requisito.

Outras pesquisas acadêmicas, como a do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro), em outros anos registraram que, 45 dias após a eleição, só um terço dos entrevistados era capaz de citar o nome do candidato proporcional em quem havia votado.

Imaginem as respostas que obteremos se repetidas as duas perguntas um ano ou dois anos após a eleição. Escolhas “desimportantes” geram rápido esquecimento. E a desconexão entre candidatos e partidos não é inócua. Sem essa “amarra” o parlamentar pode flutuar, trocando de aquário a cada “janela”, ou contribuir para fundir agremiações ou o que lhe for conveniente, autonomizado pela invisibilidade da marca partidária.

4) O modelo deturpa papéis básicos dos partidos na democracia. O papel de agregação e articulação de interesses sociais é substituído pela justaposição das agendas de empreendedores individuais. Perde-se a função de âncoras políticas estabilizadoras do regime, porque sem conexão social não podem estruturar e orientar fatias da opinião pública, organizando a informação política relevante. E muito menos podem ajudar o cidadão a avaliar de forma sinóptica os candidatos ou questões em tela.

A propaganda eleitoral dos cargos legislativos é quase sempre mero pastiche biográfico. Por isso, quando vista, não raro é recepcionada com risos e deboche.

Vítima das listas desordenadas disponibilizadas pelos cartórios partidários, o eleitor paulista, por exemplo, no ano que passou teve que escolher, de última hora como quase todos fazemos, um nome para deputado federal entre 1.540 candidatos, e mais um entre os 2.059 que buscavam a deputação estadual.

Há o mínimo de racionalidade nisso? Parte significativa dos eleitos necessitará depois buscar um símbolo, uma marca, que auxilie sua identificação nessa autêntica selva na próxima competição.

O caminho mais rápido será patrocinarem ou se somarem a iniciativas populistas esdrúxulas, exequíveis ou não, que chamem atenção e lhes credenciem individualmente aos olhos dos eleitores desorientados. Essa pseudo solução individual só contribui para deslegitimar a instituição. Quem tiver dúvidas, examine a relação de projetos em tramitação.

5) E, por fim, e ainda mais delicado, a governabilidade fica à mercê da capacidade de “sedução” dos governos e dos presidentes das casas ao nível individual. Para as questões correntes os representantes ainda podem ser disciplinados pelos líderes partidários com a ajuda do regimento.

No entanto, quando se tratam dos grandes temas, em especial dos que exigem PECs, a tal disciplina se esvai e tudo passa a depender de “incentivos laterais seletivos”. Deles, todos lembramos a problemática tipologia utilizada na Nova República, as emendas do “orçamento secreto” sendo a versão mais recente sob investigação.

Por óbvio, não há modelos de representação ideais, mas quando se cogitam mudanças a única bússola razoável é identificar qual regra, além de mais factível, ajudaria rapidamente a enfrentar a maior patologia do sistema —no nosso caso, a hiper personalização dos mandatos parlamentares, causa e consequência da inviabilização dos laços de representação dos partidos na sociedade. E, como decorrência, da opacidade de parte considerável do jogo político que se dá longe dos olhos da população.

O caminho plausível é o da adoção do sistema proporcional de listas ordenadas, adotado em países culturalmente parecidos com o nosso, como Portugal, Espanha, Argentina e Uruguai.

Ele não contradiz a Constituição, não requerendo PEC. Pode ser viabilizado por lei ordinária, simples, sem muitas firulas, deixando que ao longo do tempo os próprios partidos optem pelo modo de aprovação das respectivas listas, apenas assegurando aos atuais detentores de mandato uma posição destacada no ordenamento.

Alguém dirá que essa proposta foi rejeitada em momentos anteriores, mas isso não serve como argumento dissuasório. Por acaso lá atrás havia clareza de que a democracia estava em perigo? De que era preciso reforçar, concretar, os pilares da representação?

Com a mudança, em um ou no máximo dois ciclos eleitorais, teríamos um choque de partidarização, com as legendas enraizadas no tecido social, correntes de opinião finalmente bem assentadas e a óbvia consequência de diminuição do número de legendas, retirando-nos da triste liderança mundial de fragmentação parlamentar.

Além dos benefícios gerais para o sistema político, o que inclui campanhas 80% mais baratas, para a maioria dos segmentos específicos não haveria qualquer prejuízo, ao contrário.

A esquerda, que por circunstâncias históricas conta com alguma identificação partidária, poderia se rejuvenescer, entronizando novos quadros que individualmente não conseguem encarar a forte correnteza do modelo atual.

A direita bolsonarista se beneficiaria pela capacidade de propelir ideologicamente listas ordenadas. Os evangélicos descarregariam seus votos e consolidariam listas que a hierarquia das igrejas apontasse.

Os partidos históricos de centro —MDB, PSDB, Cidadania— teriam finalmente capacidade de utilizar o recall e a marca que ainda detêm para reconquistar bancadas que foram esvaziadas em disputas personalizadas.

Quanto ao novo centro (PSD) e a direita liberal (União Brasil, Progressistas e outros) teriam a seu favor, inicialmente, a popularidade dos muitos governadores, senadores e prefeitos para turbinar as respectivas legendas.

Na lógica desse modelo, além de os partidos se esforçarem para evitar o risco de “maçãs podres”, todas as listas se veriam compelidas utilitariamente a apresentar programas e mensagens claras com os quais estariam naturalmente comprometidos seus integrantes.

Assim, os eleitores saberiam, por exemplo, se a bancada na qual votarão apoiará ou se oporá aos candidatos a governo nas três esferas. Depois, ficaria muito mais fácil acompanhar minimamente o seu desempenho durante a legislatura.

Essa transparência permitiria punir ou gratificar a legenda na próxima eleição. Seria bom para todos, ou quase todos. Os únicos prejudicados seriam os poucos políticos eventualmente dependentes da opacidade do sistema atual.E que, por isso, arrumam todo tipo de desculpas para se opor à ideia. Embora sabendo que, sem essa necessária partidarização da sociedade, a democracia brasileira seguirá politicamente invertebrada, mais suscetível que outras a vergar sob a demagogia e a violência dos seus inimigos.

Pesquisa RADAR Febraban – fev/2023

Maioria dos brasileiros (73%) acredita que vida pessoal vai melhorar em 2023

Já em relação ao país, pesquisa aponta percentual menor: 53% acham que vai melhorar, enquanto 43% acreditam que vai ficar igual ou piorar

O brasileiro iniciou 2023 otimista com a vida pessoal, mas cauteloso com o país. A rodada de fevereiro da pesquisa RADAR Febraban, Pesquisa Febraban-Ipespe, mostra que ampla maioria da população (73% dos entrevistados) acredita que a vida vai melhorar em seus aspectos pessoal e familiar, o que praticamente repete  o resultado de dezembro passado. Em relação ao país, o otimismo atinge 53% dos entrevistados, que acreditam que o Brasil vai melhorar esse ano, resultado estável em relação ao último levantamento, que registrou 55% desse sentimento. Para 43% ficará igual ou pior.

Por outro lado, a pesquisa registra perspectivas positivas diante do novo governo. Olhando para o futuro próximo, 49% dos brasileiros acreditam que a gestão do presidente Luis Inácio Lula da Silva será ótima ou boa no restante de 2023 – o que representa um aumento de quatro pontos em relação a dezembro (46%). 

Já sobre o sentimento da população em relação ao governo federal no início do novo mandato, 4 em cada 10 brasileiros (40%) o avaliam como ótimo ou bom. Na outra ponta, 28% classificam o governo como ruim ou péssimo e outros 27% fazem uma avaliação regular das primeiras semanas da nova administração.

A pesquisa foi realizada entre os dias 4 e 14 de fevereiro, com 2 mil pessoas nas cinco regiões do País. Esta edição do RADAR Febraban mapeia as expectativas iniciais dos brasileiros sobre este ano, tanto em relação à vida pessoal, quanto em relação à política e à economia do país. Ela também consta uma versão regional, com as opiniões de cada uma das cinco Regiões brasileiras.

“Primeira realizada após a posse do novo governo, esta onda do RADAR acontece em meio aos desdobramentos do 08 de janeiro, aos debates acerca da política fiscal e monetária e às perspectivas quanto à retomada do crescimento econômico, da geração de empregos e expectativas de arrefecimento da inflação”, diz o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

Com relação ao dinheiro que sobra no orçamento, 38% pretendem investir na compra de imóvel, consolidando a tendência verificada desde setembro de 2021. Em segundo lugar, aparece a aplicação em outros investimentos bancários fora a poupança (20%). Empatadas em terceiro lugar, com 19% das menções, surgem a poupança e a reforma da casa. 

Seguem os principais resultados do levantamento: 

AVALIAÇÃO DO GOVERNO

Capturando o sentimento da população em relação ao Governo Lula no início do novo mandato, os resultados do RADAR indicam que 4 em cada 10 brasileiros (40%) o avaliam como ótimo ou bom. Na outra ponta, 28%classificam o Governo como ruim ou péssimo. Outros 27% fazem uma avaliação regular. 

Nas opiniões sobre o Governo, 51% aprovam e 36% desaprovam; 13% não deram resposta. 

Olhando para o futuro próximo, 49% dos brasileiros acreditam que o Governo Lula será ótimo ou bom no restante de 2023 – aumento de 4 pontos em relação a dezembro (46%). Um quarto (25%) crê que será ruim ou péssimo, o que representa recuo de 6 pontos comparativamente à onda anterior (31%). E 21% opinam que será regular (5 pontos a mais que em dezembro, quando eram 16%). 

ÁREAS QUE MERECEM MAIOR ATENÇÃO

Quais áreas o Governo Federal deveria dar mais atenção neste ano. 

  • Saúde: 23%
  • Emprego e Renda: 20%,
  • Educação: 18%, 
  • Fome/Miséria: 11%
  • Inflação e Custo de Vida: 10%.

As demais alternativas receberam menos de 10% das menções. No levantamento anterior, a área de Educação ocupava o primeiro lugar, a área de Saúde obteve aumento de 6 pontos percentuais, enquanto Emprego e Renda obtiveram aumento de 5 pontos nas menções. 

EXPECTATIVAS PARA 2023

Mais de 70% dos brasileiros acreditam que esse ano sua vida irá melhorar. De modo geral, os resultados trazem um cenário de relativa estabilidade, com discreta tendência de queda em alguns indicadores, comparativamente a dezembro de 2022. 

Sobre a perspectiva pessoal e familiar, 73% dos brasileiros acreditam que a vida vai melhorar em 2023, apresentando variação de 1 ponto percentual em relação a dezembro do ano passado (74%). Tal otimismo fica acima de 60% em todos os recortes sociodemográficos, sendo mais alto entre as mulheres (80%), entre os jovens de 18 a 24 anos (80%) e entre aqueles que possuem até o fundamental ou renda até 2 SM (75% em ambos os casos). No total da amostra, parcela minoritária (10%) acredita que a vida vai piorar; e outros 14% acham que ficará igual. 

Em relação ao país, 53% acreditam que o Brasil vai melhorar esse ano, com oscilação de 2 pontos em relação a dezembro (55%). 

SITUAÇÂO ECONÔMICA

A maioria opina que sua situação financeira já se recuperou ou irá se recuperar em 2023, mas quase metade acredita que a economia só irá se recuperar a partir do próximo ano. 

  • 38% dos respondentes apostam numa recuperação em 2023 
  • 19% opinam que essa recuperação já aconteceu 
  • 25% mostram-se menos entusiasmados, vislumbrando essa recuperação somente a partir do ano que vem. 
  • 5% não avistam perspectivas de recuperação
  • 9% mais otimistas opinam que a vida financeira sequer foi afetada. 

Quando o assunto é a economia nacional:

  • 47% acreditam que a recuperação só acontecerá a partir do ano que vem
  • 26% acreditam que a economia irá se recuperar esse ano
  • 10% opinam que a economia já se recuperou
  • 10% não veem perspectivas de recuperação

Retomada do crescimento

  • 35% apostam na retomada do crescimento do país em 2023
  • 33% creem que o país só voltará a crescer depois do próximo ano 
  • 18% acreditam que o país já voltou a crescer
  • 8% não veem perspectivas de recuperação do país

 As expectativas sobre os diversos aspectos econômicos para os próximos seis meses mantiveram-se estáveis

  • Diminuição do desemprego: em tendência crescente desde a onda de junho de 2022 (quando registrou 29%), oscilou de 39% em dezembro para 40% agora, registrando maior percentual da série histórica. 
  • Aumento de acesso ao crédito: também crescente desde junho de 2022 (37%), variou 1 ponto em relação a dezembro (de 40% para 39%). 
  • Aumento do poder de compra: registrou maior percentual da série histórica em dezembro (36%), diminuindo agora para 35%. 
  • Diminuição da taxa de juros: registrou maior percentual da série histórica em dezembro (25%), caindo agora para 21%. Mais da metade da população (51%) acha que os juros vão aumentar. 
  • Diminuição da inflação e do custo de vida: registrou maior percentual da série histórica em dezembro (29%), recuando agora para 26%. Quase metade (47%) acha a inflação e custo de vida irão aumentar. 
  • Salário-Mínimo:46% acham que vai aumentar e 43% que não haverá alterações
  • Acesso ao Bolsa Família37% avaliam que irá crescer e 33% que não haverá alterações
  • Impostos: 57% esperam aumentos

PERCEPÇÃO DA INFLAÇÃO

Especificamente sobre a questão da inflação e preço dos produtos, a percepção de aumento (aumentou muito + aumentou), que atingiu seu percentual máximo em junho de 2022 (93%), caiu para 79% em dezembro e registra agora 64%.

Onde há maior impacto da inflação?

  • consumo de alimentos e outros produtos do abastecimento doméstico (76%)
  • preço dos combustíveis (30%); 
  • pagamento de serviços de saúde e remédios (22%);
  • juros do cartão de crédito, financiamentos e empréstimos (10%).

ENDIVIDAMENTO PESSOAL

Mais da metade dos brasileiros (53%) possui alguma dívida, sendo que 56% são mulheres59% na faixa de 25 a 44 anos58% entre os que possuem fundamental; e 57% entre os que têm renda até 2 SM

A maioria (53%) dos que possuem dívidas acredita que em 2023 estará menos endividada que em 2022, enquanto somente 15% responderam que estariam mais endividados esse ano que no ano passado.

A disposição para participar de algum programa de refinanciamento chega a 67%.

CONSUMO

Numa possível melhora da situação financeira, quais seriam as opções dos brasileiros para usar eventuais sobras no orçamento?

  • Compra de imóvel (38%)
  • Aplicação em outros investimentos bancários fora a poupança (20%)
  • Aplicação na poupança (19%)
  • Reforma da Casa (19%)
  • Cursos e educação pessoal e da família (14%)
  • Viagens (11%)
  • Compre de carro (10%)

IMAGEM DOS BANCOS

Permanece expressivo o reconhecimento da contribuição positiva dos bancos para as pessoas e para o país. Constituem maioria os entrevistados que confiam nos bancos (59%), nas fintechs (57%) e nas empresas privadas (51%).

Quanto ao reconhecimento da contribuição positiva dos bancos: 

• Para o desenvolvimento da economia brasileira56% consideram que os bancos contribuem positivamente 

• Para a geração de empregos no Brasil51% consideram que os bancos contribuem positivamente 

• Para a melhoria da qualidade de vida das pessoas: 49% consideram que os bancos contribuem positivamente

• No enfrentamento à crise do coronavírus48% consideram que os bancos contribuem positivamente,

• Para os negócios e atividades profissionais47% consideram que os bancos contribuem positivamente, 

Mais uma vez, mantém-se em patamar bastante elevado o nível de satisfação da população bancarizada com os serviços prestados pelos bancos: 73% dizem-se satisfeitos ou muito satisfeitos, maior percentual desde o início da série histórica. O nível de satisfação é ainda mais elevado quanto ao atendimento online79% declaram-se satisfeitos ou muito satisfeitos.

GOLPES E TENTATIVAS DE GOLPES

Cerca de um terço dos brasileiros já foram vítimas de golpes ou tentativas de golpes. Segue estável a proporção de brasileiros que relatam ter sido vítimas de golpes ou tentativas de golpes (31%, contra 30% em dezembro). 

golpe de clonagem ou troca de cartões continua sendo o mais frequente: 48%. Já a situação em que alguém se faz passar por um conhecido solicitando dinheiro por WhatsApp tem 26% das menções. 

O terceiro golpe mais citado é o da central falsa em que alguém pede seus dados por telefone: 25%

Outros tipos de golpes tiveram menos de 10% das menções em todos os segmentos. 

A maioria dos entrevistados (56%) afirma ter recebido algum material de comunicação de seu banco ou de outra entidade alertando contra esses tipos de crimes. É quase unânime entre os receberam esse tipo de material a percepção de sua importância para a prevenção ou para a atitude da vítima diante da ocorrência (94%).

Leniência militar em 8 de janeiro lembra levante integralista de 1938

Há 85 anos, Palácio da Guanabara estava desguarnecido na hora do ataque e forças de segurança demoraram a chegar

Antonio Lavareda – Doutor em ciência política e professor colaborador da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) – Artigo publicado na Folha de S. Paulo, Caderno Ilustríssima, página C7 em 29 de janeiro de 2023.

[RESUMO] O Brasil sofreu 13 investidas golpistas desde a Independência, entre as quais o ataque aos três Poderes no último dia 8. A ação dos bolsonaristas guarda semelhanças com o levante da AIB (Ação Integralista Brasileira) em 1938. Nesses episódios, os golpistas encontraram a residência e a sede da Presidência desguarnecidas, as forças de segurança demoraram a chegar e houve omissão de setores do Exército. Resta saber se o futuro da nova extrema direita será melhor que o do fascismo tropicalizado dos anos 1930, que entrou em declínio após a Segunda Guerra.

Alguns fenômenos políticos, sobretudo quando inusuais e estrepitosos, ao ocorrerem tornam irresistíveis os exercícios comparativos. É quando a leitura dos fatos os coloca em perspectiva, permitindo identificar singularidades, de um lado, e constantes históricas, de outro.

O 8 de Janeiro, que despertou estupor no mundo, por certo demandará um olhar assim quando as investigações descortinarem toda a sua tessitura, incluindo, além dos vândalos, a autoria intelectual e os apoiadores explícitos e ocultos e esclarecendo como se dava a relação entre os quartéis e os acampados à sua frente.

Nós não temos, que eu saiba, um estudo comparativo suficientemente amplo desses processos de tomada violenta do poder na América Latina, embora o continente seja pródigo deles. Nem mesmo das revoluções havidas —do que, aliás, já reclamava Joaquim Nabuco (1849-1910) em sua releitura do fim trágico do presidente chileno José Manuel Balmaceda— e muito menos no Brasil, onde, desde a Independência, tivemos 13 golpes de Estado, exitosos ou não.

Eles se distinguem dos movimentos separatistas, como a Confederação do Equador (1824) ou a Guerra dos Farrapos (1835-1845). Diferem também de outros conflitos como a Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932) e mais ainda dos movimentos revoltosos tenentistas, incluída a Coluna Prestes (1924).

Golpes ou autogolpes implicam o assalto direto aos Poderes e objetivam a ruptura constitucional. Foram de iniciativa palaciana os de 1823 (dissolução da Assembleia Constituinte), 1840 (Golpe da Maioridade), 1891 (Deodoro fecha o Congresso) e 1937 (Estado Novo). O de Marechal Deodoro durou apenas 20 dias.

Todos os demais tiveram como objetivo a destituição ou o impedimento dos então chefes de Estado. Começando pela implantação da República (1889), depois pela Revolução de 1930, que culminou com o golpe militar que depôs Washington Luiz, pela Intentona Comunista (1935), pelo Levante integralista de 1938, pela deposição de Vargas (1945), pelo chamado contragolpe legalista do marechal Lott (1955), pela adoção forçada do parlamentarismo (1961), pelo golpe militar de 1964, que inaugurou a Quinta República, e pelo assalto às sedes dos três Poderes em janeiro de 2023. Golpes e autogolpes vitoriosos foram 70% deles.

Houve movimentos com menor ou maior participação popular, mas a constante irrefutável é a participação de “cidadãos armados”, os militares. Nunca foi minimamente plausível subverter o regime sem a sua participação, e o tamanho da adesão dos mesmos sempre foi a principal variável explicativa do êxito ou do fracasso dessas iniciativas.

A breve compilação acima dos eventos anteriores de igual natureza nos permite identificar um único episódio que guarda alguma similaridade com o golpe frustrado do início deste ano: o putsch da AIB (Ação Integralista Brasileira), o fascismo tropicalizado, em 11 de maio de 1938, uma semana após o fechamento da entidade pelo governo Vargas.

Os que atacaram, 85 anos atrás, o Palácio Guanabara, residência presidencial à época, também o encontraram desguarnecido, tal como se deu em Brasília nos prédios do Planalto, Congresso e Supremo, quando horas foram decorridas até que os responsáveis pela segurança enfrentassem os invasores.

Como lembra Lira Neto, no golpe integralista eram poucas dezenas de atiradores, mas não se via inicialmente qualquer mobilização dos milhares de militares acantonados no Rio de Janeiro para sufocar o levante, que era enfrentado na madrugada pelos funcionários do Palácio, alguns militares leais ao presidente e por Vargas e seus familiares empunhando armas.

O tenente Júlio Barbosa, oficial do dia, facilitou a entrada, por um portão lateral, dos invasores chefiados pelo também tenente Severo Fournier. Ele também restringiu propositalmente a munição da tropa incumbida da guarda, que terminou se rendendo aos golpistas.

Mesmo comunicada, a polícia demoraria horas para enviar reforços e foram visíveis as omissões de setores do Exército e da Marinha, cujo prédio também foi ocupado. Os atacantes só foram rechaçados após a chegada decisiva do general Dutra, então ministro da Guerra, cuja presença sinalizou o apoio da cúpula das Forças Armadas ao presidente. A lógica da operação estava desfeita.

O objetivo era eliminar fisicamente o presidente e, no vácuo político, abrir caminho para os militares, entre os quais havia um sem número de simpatizantes do integralismo, tomarem o poder. Suspeitos de envolvimento ou simpatia foram, entre outros, o almirante Guilhem, o general Góis Monteiro, admirador confesso de Hitler, e Filinto Müller, o chefe de polícia famoso pela repressão sanguinária. Mas Vargas, ditador dependente dos aliados militares, não quis esclarecer a participação deles. Anos depois seria deposto por Góis.

Quanto à autoria intelectual, esse papel coube a Plínio Salgado, depois preso e exilado em Portugal. Líder do movimento que chegou a contar com 1,5 milhão de adeptos por todo o Brasil, ele se sentiu traído por Getúlio, que mandara fechar as sedes da AIB, colocando-a na ilegalidade, após ter contado com seu apoio no combate aos comunistas e na criação do Estado Novo. Ou seja, o golpe de 1938 foi urdido por um movimento político, o integralismo, com apoio na sociedade civil e ramificações incontroversas nas Forças Armadas e na polícia do Rio de Janeiro.

A lógica da tentativa de golpe de 2023, mesmo sem tiroteios como seu congênere da Terceira República, foi basicamente a mesma. Visava surpreender e desarticular o sistema político, promovendo um cenário caótico nas sedes dos três Poderes, o qual, transmitido pelas redes sociais e repercutindo nas TVs, obrigaria, no entendimento dos seus idealizadores, a “intervenção militar” reclamada desde a vitória do novo presidente pelos acampamentos à frente dos quartéis, com milhares de radicais que imaginavam ter suas teses acolhidas, interpretando dessa forma a leniência dos chefes militares que admitiram essas concentrações, não o bastante suas faixas e redes sociais afrontarem a Constituição.

Lembrando que a ideia de intervenção no TSE, no último mês do mandato de Bolsonaro, na prática um autogolpe como a famosa minuta do decreto evidenciou, provavelmente foi descartada por insuficiência de adesão das altas patentes.

Os participantes de agora foram extraídos de um movimento antissistema de extrema direita que, ao invadir e destruir os prédios que simbolizam a República, removeram as últimas dúvidas sobre o caráter regressivo de sua liderança, movida pela nostalgia do regime militar de 1964.

O bolsonarismo, no segundo turno do ano passado, aproximou-se da metade da votação presidencial válida, e o partido que o abrigou (PL) logrou eleger a maior bancada da Câmara Federal. Tal como a antiga AIB, tem conexões internacionais —é o capítulo local da nova direita mundial— e se mostrou bem mais enraizado que seu predecessor da primeira metade do século 20.

Em expansão no mundo, o futuro dessa vertente não parece comprometido, como se deu com as ideias fascistas que, após empolgarem porções significativas do Ocidente, entraram em derrocada juntamente com o Eixo na Segunda Guerra. Nadando nessa raia, o integralismo brasileiro declinaria durante o conflito e nunca se recuperou da mancha de 1938. Quando sobreveio a redemocratização, tampouco conseguiria reaver a força original.

Ao disputar finalmente a Presidência, em 1955, Plínio Salgado só alcançou 8,3% dos votos. Somente na região Sul chegou aos dois dígitos (14,2%). Em toda a República do Pós-Guerra, a direita seria representada pela UDN, que terminaria encapsulando o populista Jânio Quadros para finalmente ganhar a eleição de 1960. Plínio continuaria sua caminhada com horizonte mais modesto. Seria deputado por São Paulo, apoiador do golpe militar de 1964 e depois vice-líder da Arena na Câmara dos Deputados.

Não é fácil divisar o futuro do bolsonarismo. Vai depender do aprofundamento das investigações e da eventual responsabilização e inelegibilidade de Bolsonaro, sobre o qual pesam suspeitas de participação no possível autogolpe de dezembro e no golpe de janeiro. Também dependerá do posicionamento que seus líderes —o ex-presidente e parlamentares— venham a adotar.

Para qualquer evento futuro, sempre haverá no mínimo duas rotas possíveis para os personagens, como Churchill nos mostrou escrevendo o perfil de Hitler em 1935.

Prevalecerá a retórica antissistema, baseada no mito da fraude nas urnas? Ou essa página será virada, como aliás já fizeram os governadores desse campo, e o enfrentamento se dará como oposição “normal”?

Na primeira hipótese, o movimento, uma vez inviabilizado legalmente o líder, apresentaria uma candidatura do clã. Perderia certamente densidade eleitoral, deixando de ser competidor efetivo pelo poder nacional.

Já na segunda opção, novos nomes disputariam o espólio bolsonarista, distanciando-se do fantasma do 8 de Janeiro, embora sempre equilibrando-se para contar com as bênçãos do ex-presidente e tentar, assim, manter a hegemonia à direita no espectro ideológico.

Há 90 anos, Hitler assumia o poder na Alemanha

Publicado pela Deutsche Welle em 30/jan/2013 >> atualizado nesta segunda-feira (30/1/2023) 

Em 30 de janeiro de 1933, o então presidente Hindenburg nomeou Adolf Hitler como chanceler do Reich. Poucos tinham ideia da dimensão desse fato. Propaganda nazista encenou o acontecimento como “tomada de poder”.

Cenas sombrias ocorreram no Portão de Brandemburgo em 30 de janeiro de 1933, em Berlim. Já há horas, o chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, vinha posicionando homens da tropa de assalto de Hitler próximo ao local. Mais de 20 mil membros da chamada SA (Sturmabteilung), a tropa de choque do partido nazista NSAPD, haviam chegado durante a noite.

O início estava marcado para as 19h. Tochas foram acesas, batalhões da SA desfilavam pelo Portão de Brandemburgo. Poucas horas antes, Adolf Hitler havia alcançado seu grande objetivo: ser nomeado chanceler do Reich pelo então presidente alemão Paul von Hindenburg.

O recém-empossado chanceler alemão foi festejado por seus seguidores. De uma janela da então Chancelaria, Hitler cumprimentou os espectadores presentes. Goebbels havia planejado um gigantesco espetáculo. Ele pretendia encenar de forma dramática esse novo capítulo da Alemanha: aquela deveria ser “a noite do grande milagre”. Uma espécie de fita de fogo formada por portadores de tochas devia atravessar a cidade.

Goebbels queria criar imagens monumentais, ideais para impressionar os espectadores no cinema, já que era ali que os noticiários eram transmitidos na época. Mas os transeuntes passeavam distraídos para lá e para cá entre as formações da SA e impediram as gravações desejadas.

Goebbels ficou desapontado e reencenou as imagens mais tarde. O famoso pintor alemão de origem judaica Max Liebermann já tinha visto o bastante. Para o desfile de tochas dos homens da SA na frente de sua casa, o pintor escolheu palavras dramáticas: “Eu nunca conseguiria comer tanto para tudo o que gostaria de vomitar.”

Declínio da República de Weimar

A história da ascensão de Adolf Hitler está intimamente ligada ao declínio da República de Weimar. Desde o surgimento em 1918, ela sofria de defeitos congênitos irreparáveis – era uma democracia sem democratas. Boa parte da população rejeitava a jovem República, sobretudo a elite econômica, funcionários públicos e até mesmo políticos.

Tentativas de golpe pela direita e pela esquerda sacudiram o país. Nos primeiros cinco anos da República de Weimar, assassinatos espetaculares chocaram o país. Entre outros, as mortes dos comunistas Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, bem como o assassinato do ministro do Exterior Walther Rathenau, de origem judaica. Os criminosos provinham da ala de extrema direita.

A política da República de Weimar foi marcada pela total instabilidade. Nos 14 anos de sua existência, ela presenciou 21 diferentes governos. Entre os 17 partidos do Parlamento, encontrava-se uma série de inimigos declarados da Constituição. Com cada nova crise política e econômica, os eleitores perdiam mais e mais a confiança nos partidos democráticos.

Enquanto isso, o extremismo político vivenciava um grande crescimento. Os nazistas, pelo lado da direita, e os comunistas, pela esquerda, ganhavam cada vez mais adeptos. Por volta de 1930, a Alemanha estava à beira de uma guerra civil. Nazistas e comunistas travavam batalhas de rua. A crise econômica de 1929 piorou ainda mais a situação. Em junho de 1932, o número oficial de desempregados no país somava 5,6 milhões de pessoas.

O papel de Hindenburg

Em tal situação, muitos alemães ansiavam por um nome forte à frente do governo, alguém que pudesse tirar o país da crise. O presidente Paul von Hindenburg era uma dessas pessoas, para muitos, ele era uma espécie de substituto do imperador. De fato, segundo a Constituição de Weimar, o presidente do país era a instância política central. O cargo detinha uma imensa esfera de poder.

O presidente podia dissolver o Parlamento e outorgar leis por decretos emergenciais, algo que cabe normalmente a qualquer Parlamento. Hindenburg fez uso, diversas vezes, da possibilidade de governar contornando o Legislativo. No entanto, Hindenburg não tinha como cumprir o papel de salvar a Alemanha da miséria, pois já estava com 85 anos no início de 1933.

Após diversas trocas de governo, Hindenburg pretendia, na ocasião, instalar um governo estável chefiado pelos conservadores nacionalistas de direita. A princípio, ele era cético quanto à nomeação de Adolf Hitler para chefe de governo. Durante muito tempo, Hindenburg ironizou Hitler, chamando-o de “soldado raso da Boêmia” – uma alusão ao fato de que ele, Hindenburg, era um condecorado marechal de campo da Primeira Guerra Mundial, e Hitler, apenas um soldado comum.

Mas Hindenburg mudou de opinião. Pessoas próximas a ele lhe asseguraram que manteriam Hitler sob controle. Alfred Hugenberg, líder do Partido Popular Nacional Alemão, declarou: “Nós iremos enquadrar Hitler.” Tinha-se um grande senso de segurança, também porque somente dois ministérios foram oferecidos aos nazistas no novo gabinete de governo. Por outro lado, Hitler e seus seguidores passaram a se apresentar propositalmente de forma moderada e a evitar alaridos.

Completa ignorância sobre Hitler

De fato, no dia 30 de janeiro de 1933, um sonho se tornou realidade para Hitler e sua comitiva. Com alegria, Goebbels confidenciou ao seu diário: “Hitler é chanceler do Reich. Como um conto de fadas!” Na mais completa ignorância sobre Hitler e suas intenções, nomeou-se o “coveiro” da República para chanceler. Mas Hitler já havia apresentado seus planos no livro Mein Kampf. Ele escreveu que os judeus seriam “removidos” e um novo “habitat” seria conquistado “pela espada”.

O dia 30 de janeiro de 1933 entrou para a história como o dia da “tomada de poder”, conceito na verdade inventado pela propaganda nazista, pois a nomeação de Hitler – e essa é a verdadeira ironia da história – aconteceu de forma constitucional. 

Hindenburg não teve de presenciar que o caminho de Hitler levaria na verdade ao Holocausto e à Segunda Guerra Mundial. Ele morreu em 1934. E logo Hitler mostrava quão ingênua foi a crença de que ele poderia ser controlado e neutralizado. Pouco depois de ser empossado como chefe de governo, começou em todo o país o horror das tropas de assalto da SA.

Comunistas, social-democratas e sindicalistas foram perseguidos. Em pouco tempo, os primeiros campos de concentração foram instalados. Ali, os membros da SA torturavam suas vítimas, que iriam incluir, pouco tempo depois, judeus e outras pessoas consideradas indesejáveis pelos nazistas. Hitler precisou somente de poucos meses para embaralhar a República de Weimar e instalar sua ditadura.

Três quartos dos brasileiros acreditam que 2023 será um ano melhor

Pesquisas Observatório Febraban e RADAR Febraban mostram expectativa positiva da população e a satisfação da maioria com a vida

Imagem: Freepik

O ano de 2022 termina melhor do que começou para a maioria da população e o próximo começará com sentimento renovado de otimismo e esperança, apontam as pesquisas Observatório Febraban RADAR Febraban. Quase oito em cada dez entrevistados têm sentimentos positivos quanto a 2023, sendo esperança, alegria e confiança os principais. A diferença entre os sentimentos positivos (76% dos entrevistados) em relação às expectativas negativas (23%) é significativa.

Ao mesmo tempo, a maioria dos brasileiros mostra satisfação com a vida que vêm levando e grande parte dos entrevistados avalia que houve melhora na sua vida pessoal e familiar em 2022 em comparação com 2021.

As duas pesquisas foram realizadas entre os dias 29 de novembro a 5 de dezembro, com 3 mil pessoas nas cinco regiões do País. A 13a Edição do Observatório FEBRABAN – Pesquisa Febraban-Ipespeinvestiga as expectativas da população do país para 2023 e a última rodada deste ano do RADAR Febraban, captura a o balanço que a população brasileira faz de 2022.

Observatório Febraban mostra que 74% da população crê na melhora de sua vida pessoal e familiar no novo ano e a maioria avalia que sua situação financeira já está se recuperando. Em 2023, mais da metade dos brasileiros presumem que estarão menos endividados.

As expectativas em relação ao país também são favoráveis, embora de modo menos expressivo do que na dimensão pessoal. Quase quatro em cada dez entrevistados consideram que a recuperação da economia já está em curso e mais da metade deles acreditam que o país estará melhor no próximo ano.

Da mesma forma, ainda que não atinja mais de 50% dos entrevistados, as expectativas sobre o novo governo são positivas que negativas: quase metade dos brasileiros prevê que a nova administração será ótima ou boa, embora o comportamento dos juros, do dólar e da bolsa de valores seja visto, entre outros, como eventual obstáculo que pode comprometer esse desempenho esperado.

A maioria dos ouvidos na rodada de dezembro do RADAR Febraban aponta progressos na relação com familiares e amigos e no uso de tecnologias e recursos digitais. Já a saúde física e mental, as finanças, e o trabalho são avaliados na perspectiva de menores avanços.

Quando avaliam a situação do país em geral, o número de brasileiros que acredita que o Brasil melhorou em 2022 em relação a 2021 é um pouco maior do que a percepção de que aqueles que veem uma piora. Como área em que houve avanços apontam emprego e renda, e, de outro lado, saúde permanece no topo dos problemas. Além da avaliação predominante de que os preços dos produtos aumentaram em relação ao começo do ano

A avaliação da situação financeira pessoal e sobretudo a visão sobre o país leva quase metade dos entrevistados a planejar menos compras de fim de ano do que em 2021, ao passo que cerca de um terço irá manter o nível de compra anterior.

“O Observatório Febraban mostra que a esperança é o principal sentimento em relação ao ano novo, sobretudo entre as mulheres. Também aponta perspectivas otimistas quanto à queda do desemprego, aumento do acesso ao crédito e do poder de compra; acompanhadas de uma atitude cautelosa em relação a taxa de juros e inflação/custo devida.”, avalia o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

Seguem os principais resultados dos dois levantamentos:

Observatório Febraban

Sentimentos positivos em relação a 2023

O novo ano chega renovando expectativas favoráveis, com sentimentos predominantemente positivos em relação à virada de ano (76%). Em todos os estratos sociodemográficos, a soma de sentimentos positivos em relação a 2023 passa de 70%, chegando a 85% entre os jovens de 18 a 24 anos e a 79% entre as mulheres.

  • ✓  Esperança: desponta como o sentimento mais citado, com 38% das menções;
  • ✓  Alegria: é o segundo sentimento mais citado (19%);
  • ✓  Confiança: surge como terceiro sentimento predominante (13%);
  • ✓  Tranquilidade e orgulho: são citados por 4% 2% dos entrevistados,respectivamente.Sentimentos negativos em relação a 2023
    Os sentimentos negativos não alcançam um quarto das menções (23%)✓ Desconfiança: é o mais citado, mas por apenas 8%;
    ✓ Medo: aparece em segundo lugar, com 7% de menções;
    ✓ Tristeza: sentimento é citado por 5% do total dos entrevistados.Expectativas para a vida pessoal e familiar em 2023As expectativas também são favoráveis em relação à vida pessoal e familiar no próximo ano. Entre os entrevistados, 74% creem que sua vida irá melhorar em 2023. Outros 11% imaginam que não haverá mudanças e 10%, mais pessimistas, acreditam numa piora.A tendência também é de otimismo em relação à recuperação da situação financeira após a pandemia: 60% declaram que ela já está se recuperando, enquanto 23% vislumbram essa recuperação só depois desse ano. Poucos (9%) são os que avaliam que sua situação financeira não foi afetada e os mais pessimistas, que não vislumbram recuperação, somam apenas 3%.

A percepção de que a recuperação das finanças já está em curso (60%) apresenta oscilações importantes por faixa etária e escolaridade. Enquanto esse percentual é de 66% entre os de 18 a 24 anos, cai para 53% na faixa de 45 a 59 anos e 55% entre os que têm 60 anos ou mais.

  • ✓  Finanças: é o primeiro no ranking de aspectos da vida pessoal com mais chances de melhorar em 2023 (36%);
  • ✓  Saúde física: aparece em segundo lugar (28%) no rol de possíveis melhorias em 2023;
  • ✓  Saúde mental: fica em terceiro lugar (26%);
  • ✓  Trabalho ou emprego: teve 23% das menções;
  • ✓  Relações interpessoais: são citadas por 16%;
  • ✓  Lazer e entretenimento: tiveram 12% das menções;
  • ✓  Moradia: citada por 10% dos respondentes.Expectativas sobre o endividamentoA expectativa positiva sobre a recuperação das finanças pessoais impacta sobre a projeção do endividamento: mais da metade dos entrevistados (56%) acredita que estará menos endividada em 2023 do que em 2022. Essa percepção é mais comum na faixa de 18 a 24 anos (64%) e menos frequente entre os que têm 60 anos ou mais (49%). Para 28% dos entrevistados, o seu nível de endividamento em 2023 permanecerá o mesmo que em 2022.Expectativas sobre o País em 2023O otimismo dos brasileiros também predomina em relação ao país, porém de modo menos expressivo do que em relação à vida pessoal e com dose de cautela. Mais da metade (55%) acreditam que em 2023 o Brasil vai melhorar. Na direção contrária, a piora do país é esperada por 26% dos pesquisados. Para 13% dos respondentes, o país vai permanecer igual.Prevalece a opinião de que a economia só vai se recuperar a partir do próximo ano (45%). Pouco mais de um terço opinam que a economia já está se recuperando (39%). Uma parcela mais pessimista, que não enxerga perspectivas de recuperação econômica, é constituída por 8% dos respondentes.Projeções para os primeiros seis meses de 2023Essas projeções são permeadas por maior cautela. O placar das expectativas sobre taxa de juros e inflação/custo de vida mostra um empate entre os que acreditam que ficará como está ou irá melhorar, e aqueles que vislumbram piora.• Taxas de Juros49% creem que vai diminuir (25%) ou permanecerá igual (24%). Enquanto 48% acreditam que vai aumentar;• Inflação53% acham que o custo de vida vai diminuir (29%) ou ficarão no patamar atual (24%). Já 45% declaram que irão aumentar;

• Acesso ao crédito72% creem que recursos para pessoas e empresas vai aumentar (40%) ou ficará como está (32%). Ao passo que cerca de um quarto acredita em diminuição (23%);

• Desemprego67% acreditam que vai diminuir (39%) ou ficará o mesmo (28%). Já para 31% o desemprego irá aumentar nos próximos seis meses;

• Poder de compra62% apostam no aumento do poder de compra das pessoas (36%) ou na permanência no nível atual (26%). Enquanto 34% acham que irá diminuir;

Expectativas sobre o novo governo

Quase metade dos brasileiros (46%) acredita que o Governo Lula será ótimo/bom e outros 16% imaginam que será regular. Na outra ponta, pouco menos de um terço (31%) avalia que o novo Governo será ruim/péssimo.

Agenda da população para o próximo governo se sobrepõe, em várias áreas à agenda dos principais compromissos abordados na recente campanha.

✓ Educação: 20%;
✓ Saúde: 17%;
✓ Desemprego: 15%;
✓ Fome e Miséria: 14%;
✓ Inflação e Custo de vida: 13%;

✓ Combate à Corrupção: 10%.
Entraves para o novo governo

Cerca de um terço dos respondentes (33%) acredita que o comportamento dos juros, do dólar e da bolsa de valores será o principal obstáculo a ser enfrentado pelo novo Governo. Já a falta de apoio do Congresso aparece em segundo lugar, com 16% das menções. Em terceiro lugar (14%) como entrave que pode prejudicar o bom desempenho do próximo governo aparecem as manifestações e falta de apoio da população.

Relacionamento entre os demais poderes e outros setores

A expectativa a respeito do relacionamento entre o novo Governo, os poderes Judiciário (aqui representado pelo STF), o Legislativo (Congresso) e outros setores, é favorável, com saldos positivos em todos os itens avaliados. A perspectiva de uma relação ótima/boa é notadamente maior quanto ao STF (67%) e aos movimentos sociais (59%), caindo para 48% no caso dos bancos e mercado financeiro; para 40% com o Congresso; e para 37% com os empresários.

RADAR Febraban
Balanço de 2022, vida pessoal e familiar

A grande maioria dos brasileiros está muito satisfeita ou satisfeita (71%) com a vida que vêm levando. De outro lado, cerca de um quinto da população (22%) se diz insatisfeita ou muito insatisfeita com a vida. Grande parte dos entrevistados (43%) avalia que houve melhora na sua vida pessoal e familiar em 2022 em comparação com 2021, enquanto para 35% a vida continuou igual. Os que percebem piora constituem a menor parcela, 21%.

  • ✓  Uso de tecnologias ou recursos digitais: 58% avaliam que houve melhoras em 2022;
  • ✓  Relações com companheiro(a), filhos, familiares e/ou amigos: 49% viram melhoras noano;
  • ✓  Moradia: 57% disseram que não houve alteração em 2022;
  • ✓  Estudos e Cultura: 50% não sentiram mudanças;
  • ✓  Saúde física42% não ocorreram alterações;
  • ✓  Saúde mental40% não registram mudanças;
  • ✓  Finanças: 39% afirmam que ficou como estava e 28% identificaram piora e 32% disseramque melhorou.
  • ✓  Trabalho e emprego: 40% disseram que não houve alteração, 37% afirmam quemelhorou e 21% disseram que piorou em comparação a 2021. Expectativa de consumoDiante do balanço das finanças em 2022, a expectativa para as compras de fim de ano é predominantemente pessimista: 46% dos entrevistados afirmam que irão comprar menos do que no ano passado, apenas 16% esperam comprar mais, e 35% dizem que manterão o padrão anterior.Balanço do país em 2022Colocando-se em perspectiva a evolução do país em 2022 no cotejo com 2021, a maioria considera que o Brasil melhorou (39%) ou ficou igual (25%), contra 34% que afirmam ter piorado.Perguntados sobre em quais áreas o Brasil melhorou em 2022 Emprego e Renda ocupam o topo do ranking – única menção com dois dígitos, 19%. As demais menções ficam abaixo de 10%, sem destaques. Chama atenção o contingente de cerca de um terço dos entrevistados (31%) que não cita qualquer área.Já na designação das áreas que experimentaram piora em 2022, quatro menções se destacam com dois dígitos: Saúde com 16%Inflação e Custo de Vida (13%), Fome e Pobreza (12%) e Emprego e Renda (12%). As demais citações ficam abaixo de 10% no total.Impacto da InflaçãoA segunda posição ocupada por Inflação e Custo de vida no ranking de áreas que pioraram/ tiveram mais problemas em 2022 é reiterada pela superlativa avaliação (79%) de que os preços dos produtos aumentaram muito ou aumentaram do começo do ano até o momento. Os itens mais impactados pela carestia são:✓ Alimentos e outros produtos de abastecimento doméstico:68das menções (em pergunta de múltiplas respostas);

✓ Combustível: 30%;
✓ Serviços de Saúde ou remédios: 22%;
✓ Juros de cartão de crédito, financiamento ou empréstimo: 11%;
✓ Planos de compra de veículos ou imóveis: 7%;
✓ Pagamento da escola, faculdade ou outros serviços de educação: 6%.

Avaliação dos Bancos

Entre os brasileiros, a confiança nos bancos (59%) manteve-se relativamente estável, com oscilação positiva de dois pontos comparativamente ao levantamento de junho. Com relação às fintechs a confiança segue padrão semelhante, com oscilação positiva de dois pontos chegando a 57%. No que concerne às empresas privadas, o percentual de entrevistados que relataram confiança (50%) mantém-se no patamar observado na rodada de junho, após ter sofrido queda de 4 pontos percentuais.

A opinião sobre a contribuição positiva do setor bancário para o país e a população é reforçada. Houve aumento da percepção sobre a contribuição positiva em todos os aspectos, com variações de 2 a 5 pontos.

Permanece majoritária entre os entrevistados a percepção de contribuição positiva do setor bancário para o desenvolvimento da economia (56%), A contribuição para a geração de empregos, é considerada positiva por 50%, o que representa um aumento de 4 pontos em relação ao RADAR de junho. A contribuição positiva para a melhoria da qualidade de vida das pessoas é reconhecida por 48% dos entrevistados, 3 pontos a mais que no levantamento anterior.

A opinião sobre a contribuição positiva do setor bancário para seu negócio ou para sua atividade profissional aumentou 5 pontos, chegando a 49%. Único item com leve redução na percepção positiva sobre a contribuição dos bancos, a ajuda para o país, a população e seus clientes enfrentarem a crise do coronavírus, obtém 49% de menções (eram 50% em junho).

Percepção sobre golpes e tentativas

Embora represente uma minoria, o percentual de entrevistados que relataram ter sido vítimas de golpe ou tentativa de golpe bancário (30%) se mantém no nível reportado na última rodada do RADAR, em junho de 2022.

Ressalte-se que o perfil etário das vítimas identificado nesse levantamento, concentrado entre os que têm 25 a 44 anos (34%) difere de resultados anteriores em que as principais vítimas tinham idade de 60 anos ou mais.

Embora permaneça como o tipo de golpe mais comum a clonagem ou a troca de cartão (48%), o percentual de citação é notadamente menor que em junho/2022 (64%). Por outro lado, cresce por mais uma rodada seguida a frequência do golpe em que alguém se passa por conhecido para solicitar dinheiro no WhatsApp (de 25% em junho para 30% em dezembro).

golpe da central falsa praticamente manteve o percentual (24%). Os demais golpes representam 10% ou menos do total. E quem são as principais vítimas dos golpes?

• O golpe da clonagem ou troca de cartões foi mais relatado pelos homens (49%), com renda de mais de 5 SM (56%), com nível de instrução médio (53%) e idade entre 18 e 24 anos (53%).

• Sobre o golpe do WhatsApp, em que alguém se passa por um conhecido e solicita dinheiro, é mencionado sobretudo pelos respondentes com renda entre 2 e 5 SM (31%), com nível de instrução superior (36%), com idade entre 25 e 44 anos (34%) e mulheres (31%).

• O golpe da central falsa ocorre sobretudo entre pessoas com 60 anos ou mais, (30%), mulheres (26%) e com renda entre 2 e 5 SM (26%).

• O golpe do leilão ou loja virtual é mais frequente entre pessoas com idade de 18 24 anos (12%), com idade de 25 a 44 anos, 45 a 59 anos, com nível de instrução médio e com renda entre 2 e 5 SM (10%, em todos esses segmentos).

A participação foi alta novamente. Este é o novo normal?

Por Mônica Potts

15 DE NOVEMBRO DE 2022, ÀS 11H46 – O US Elections Project estima uma taxa de comparecimento de 47% para as eleições de meio de mandato deste ano. 

DAVID BECKER / THE WASHINGTON POST /538

Os Estados Unidos estão em uma era de alta participação?

A participação aumentou durante as últimas eleições de meio de mandato em 2018, quando 49% dos eleitores elegíveis votaram para o cargo mais alto em seu estado, de acordo com dados analisados ​​pelo US Elections Project , um site de dados eleitorais mantido por Michael P. McDonald, um cientista político professor da Universidade da Flórida. O Census Bureau, usando uma medida ligeiramente diferente, informou que foi o maior comparecimento registrado para uma eleição de meio de mandato desde que o bureau começou a manter registros em 1978.

Os primeiros sinais apontam para um nível semelhante de participação nas eleições intermediárias da semana passada. Usando estimativas preliminares de autoridades eleitorais estaduais em todo o país, o Projeto Eleições dos EUA estima uma taxa de comparecimento de 47% para as eleições deste ano. Em 14 estados, a participação até aumentou ligeiramente em relação a 2018. (As estimativas podem mudar em estados onde a contagem das cédulas ainda não foi concluída.)

Embora a maioria das estimativas de comparecimento do estado tenha caído um pouco em comparação com os números de 2018, elas ainda são maiores do que nos últimos anos anteriores, e o comparecimento em 2020 foi elevado em comparação com as eleições presidenciais anteriores. Então o que está acontecendo? Bem, provavelmente não apenas uma coisa! Em vez disso, há um monte de forças diferentes que poderiam ter levado as pessoas a votar nas últimas eleições.

Em 2018, de acordo com uma análise da The Brookings Institution, os grupos de tendência democrata – jovens eleitores, minorias e graduados brancos – tiveram os maiores aumentos no comparecimento. Isso faz sentido, já que um presidente republicano estava no cargo, e esses dados demográficos constituem grande parte da coalizão democrata moderna. O presidente Donald Trump também motivou grupos de tendência republicana a comparecer naquele ano, embora tenham visto aumentos menores. Antes das eleições intermediárias de 2018, uma pesquisa do Pew Research Center descobriu que o entusiasmo dos eleitores era extremamente alto e que 60% dos eleitores viam seu voto como uma expressão de apoio a ou contra Trump. Aversão à outra parte, o que os pesquisadores chamam de “partidarismo negativo”.tem motivado os eleitores nas últimas eleições e ainda pode estar aumentando.

A participação também foi extremamente alta na eleição presidencial de 2020, que Trump perdeu para o presidente Biden. Quase dois terços dos eleitores elegíveis foram às urnas , 7 pontos a mais que em 2016 , e o Pew Research Center relatou aumentos de votos em todos os estados. Com Trump concorrendo à reeleição, eleitores de ambos os lados compareceram e, por causa da pandemia de COVID-19, muitos estados trabalharam para tornar a votação mais acessível , facilitando a solicitação de cédulas à distância e o voto pelo correio, entre outras mudanças (no menos temporariamente).

Claro, uma grande diferença entre 2018 e 2022 é que Trump não estava nas urnas este ano. Mas o trumpismo ainda estava na mistura e ainda poderia ter motivado os eleitores. Sessenta por cento dos americanos tiveram um candidato em suas cédulas que negou que Biden tenha vencido a eleição de 2020 e, em alguns estados, esses negadores concorreram a cargos importantes que lhes dariam poder sobre a administração eleitoral em seus estados. Habilitada pelas nomeações de Trump, a Suprema Corte anulou Roe v. Wade neste verão, levando alguns estados a decretar proibições draconianas e impopulares , enquanto os eleitores em outros lugares foram movidos a derrotar iniciativas que teriam feito o mesmo em seus próprios estados. Trump endossou candidatos com votos positivos e negativosem todo o país.

Não há um padrão consistente nos estados que viram ligeiros aumentos no comparecimento às urnas em comparação com 2018. Claro, alguns estados, como Michigan e Pensilvânia , estavam votando sobre o direito ao aborto de uma forma ou de outra, mas também Kentucky e Califórnia , e a participação não foi alta nesses estados.

Um estado também não precisava necessariamente de uma corrida competitiva para aumentar a participação. Sim, Michigan e Pensilvânia tiveram aumentos e corridas de alto risco, mas também Arkansas, onde a eleição principal foi uma corrida não competitiva para governador.

Talvez, então, esteja ficando mais fácil votar. Alguns estados, como Maine e Nova York , reduziram as barreiras de votação desde 2018, mantendo cédulas universais por correio ou medidas de votação por ausência sem justificativa que entraram em vigor durante a pandemia de 2020, e alguns desses estados parecem ter tido um aumento nas vire para fora. Mas isso não aconteceu em outros estados: em Massachusetts, as expansões dos direitos de voto na era da pandemia tornaram-se permanentes e também houve uma corrida para governador, mas a participação parece ter diminuído. 

Mais do que qualquer um desses fatores, o tema unificador dos últimos anos tem sido o aumento do nível de polarização partidária. Os eleitores não são apenas motivados a votar contra o outro lado, eles não gostam e desconfiam dele. No geral, porém, os americanos acabam votando muito menos do que em muitos países semelhantes . O que o futuro próximo reserva é uma questão de leis, apostas e também, até certo ponto, nossa cultura política. 

Monica Potts é repórter política sênior da FiveThirtyEight.  @monicabpotts

EUA: Pesquisas foram bem nas midterms

Foto: Freepik

Não só os democratas estão respirando aliviados após as eleições intermediárias de 8 de novembro. O temor da onda vermelha (republicana) foi afastado, mesmo antes de concluída a apuração, que se arrasta por conta do sistema de votação descentralizado. Os institutos de pesquisa americanos também pularam uma fogueira. Lembrando que lá o sistema bipartidário e o voto facultativo eliminam o voto útil, fazendo com que as pesquisas sejam cobradas como spoiler das urnas.

Baseados nelas os prognosticadores este ano se saíram bem melhor que na eleição passada na Câmara (House) e especialmente na eleição do Senado, em que o “erro” médio se situou em dois pontos para todas as disputas, conforme Elliot Morris citando dados de Alexander Agadjanian (PHD student, na UC Berkeley). Nessa linha, as pesquisas por telefone com entrevistadores (live phone) se saíram ainda melhor que as  on-line (internet). Lembrando que praticamente eles não utilizam pesquisas eleitorais face à face. 

Esse resultado foi um alívio para a comunidade de pesquisas, após o setor ter amargado um pesadelo em 2020, o pior ano de desempenho dos institutos desde Reagan, em 1980, segundo a AAPOR ( Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública). Na verdade, na eleição de Biden foram agravados problemas que já haviam despontado nos surveys de 2016, e que interromperam o prestígio que desfrutavam por terem subsidiado projeções muito acuradas, em 2008 e 2012. 

O que os institutos fizeram esse ano? Praticamente nada, em termos de mudanças metodológicas. Mas a “recusa à entrevista” dos Republicanos diminuiu e isso pode ter ajudado significativamente. Será? Na verdade, nem a Comissão da AAPOR que examinou os dados de 2020 chegou a uma conclusão efetiva sobre o tamanho do “voto oculto” em Trump naquele ano. Nesse terreno, os pollsters não conseguem ir muito longe. É a Ciência Política que pode nos ajudar a entender por que o uso de métodos semelhantes produz dados que ora se aproximam mais ora menos do resultado das urnas. E que portanto “bons” resultados de hoje dizem pouco sobre o que ocorrerá nos próximos ciclos eleitorais. 

Meu suposto é que, afora o perfil da abstenção em comparação com o perfil do apoio dos principais candidatos, o fator chave para explicar a maior ou menor aproximação entre atitudes e comportamento, entre as pesquisas e as urnas, é a “volatilidade”, o grau de consistência das intenções de voto. E que a mesma é intrínseca à “natureza” de cada eleição. A exacerbada polarização nos EUA, reforçada pelos temas da  “inflação” e do “aborto/controle do corpo”, e pela forte presença de Trump, nacionalizou as disputas, estabilizando-as. Combinado com o alto percentual de voto antecipado (early voting) resultou numa participação elevada, embora inferior a de 2018. 

Essa discussão faz todo sentido também no Brasil. Onde uma comissão tripartite da ABEP (Associação Brasileira da Empresas de Pesquisa), da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), e da ABRAPEL (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) se debruçará em breve sobre pesquisas e eleições de 2022. 

No nosso segundo turno, binário, sem a longa lista de candidatos e o voto útil do primeiro turno, além de conhecido o perfil da abstenção, as pesquisas como alimentadoras de prognósticos (alimentadoras…) se saíram muito bem no segundo turno. Não só na eleição presidencial. Também nas de governadores. Em um único estado houve inversão entre o resultado da véspera e o registrado pelo TSE.

Por que foi diferente do que havia ocorrido em 2018, quando as pesquisas foram cobradas por não terem antecipado os movimentos vertiginosos de última hora em diversos pleitos?

Não tem a ver com a “qualidade” das pesquisas. E, sim, com natureza diferente das duas eleições. Esse ano vivemos uma disputa “normal”. Eleições “mantenedoras” nas quais assistimos a maior taxa de reeleição (90%) para os governos estaduais de toda a Nova República. Voto “prospectivo retrospectivo”, reelegendo 18 incumbentes bem avaliados. De resto, a mesma espinha dorsal da lógica prevalecente na disputa presidencial. Em 2018, tivemos uma eleição “crítica”, com ondas tsunâmicas no final das campanhas varrendo políticos tradicionais. 

Sempre será impossível proceder-se um bom exame do “desempenho” das pesquisas eleitorais, apenas examinando-as “internamente”, sem que se faça o correto diagnóstico do objeto sobre o qual se debruçam. Nessa direção, o primeiro passo sem dúvida é pedir ajuda à Ciência Política e à Sociologia Eleitoral para compreender-se a natureza e respectiva dinâmica potencial de cada pleito. “Cada eleição é uma eleição” é apenas uma bobagem frequentemente repetida a cada eleição.

O que está em jogo nestas eleições

Por Conselho Editorial do The New York Times* – publicado em 7 de novembro de 2022

As eleições de meio de mandato nos Estados Unidos são frequentemente apresentadas como um referendo sobre o partido no poder, e essa mensagem parece ressoar neste outono. Mas os eleitores também precisam considerar as intenções do partido que espera recuperar o poder e o que cada voto dado significará para o futuro deste país.

Oito senadores Republicanos e 139 representantes do partido tentaram anular os resultados das eleições de 2020 com base em alegações espúrias de fraude eleitoral e outras irregularidades. Muitos deles provavelmente vencerão a reeleição e podem se juntar a novos membros que também expressaram dúvidas infundadas sobre a integridade das eleições de 2020. Sua presença no Congresso representa um perigo para a Democracia, que deveria estar na mente de todos os eleitores que votam neste dia de eleição.

Também será a primeira vez que a máquina eleitoral dos EUA será testada em uma eleição nacional após dois anos de ações judiciais , teorias da conspiração , “auditorias” eleitorais e todo tipo de interferência de crentes nas mentiras de Donald Trump sobre a eleição de 2020. Esse teste vem ao lado da adoção do extremismo violento por uma pequena, mas crescente facção do Partido Republicano.

O maior perigo para a integridade eleitoral pode, de fato, vir dos resultados das disputas estaduais e locais que determinarão quem realmente conduz a eleição e conta os votos em 2024. Nas semanas que se seguiram à eleição de 2020, Trump e seus apoiadores viram seus esforços para negar os resultados das eleições e provar a fraude eleitoral desenfreada frustrados por duas coisas: primeiro, sua incapacidade de produzir provas críveis de que tal fraude havia ocorrido e, segundo, uma infra-estrutura eleitoral que foi defendida por funcionários públicos honrados que se recusaram a aceitar alegações de irregularidades.

Nos últimos dois anos, Republicanos em dezenas de estados tentaram desmantelar essa infraestrutura peça por peça, principalmente preenchendo posições-chave com simpatizantes de Trump. Como este Conselho escreveu em setembro: “Em vez de ameaçar os funcionários eleitorais, eles serão os funcionários eleitorais – os funcionários eleitorais e comissários de condado e secretários de estado responsáveis ​​​​por supervisionar a emissão, contagem e certificação de votos”. Muitas dessas posições estão sendo contestadas esta semana.

Com Trump dizendo estar preparando sua tentativa de retornar à Casa Branca, este Conselho pede aos eleitores americanos que considerem a importância de cada voto no dia da eleição, em todos os níveis de governo. Mesmo que o membro do Congresso em seu distrito tenha se recusado a aceitar as mentiras de Trump sobre esta eleição, há outras disputas nas urnas em muitos estados para cargos – incluindo secretário de Estado, procurador-geral e governador – que desempenharão papeis cruciais na supervisionar e certificar a eleição presidencial de 2024.

Ainda assim, com a eleição a dois anos de distância, muitos eleitores dizem que estão mais preocupados com as atuais ameaças aos seus meios de subsistência do que com a ameaça igualmente séria, mas menos visível, à democracia. Uma pesquisa recente do New York Times/Siena College descobriu que “mais de um terço dos eleitores independentes e um contingente menor, mas notável de Democratas, disseram estar abertos a apoiar candidatos que rejeitam a legitimidade da eleição de 2020, pois atribuíram maior urgência à sua decisão – preocupações com a economia do que temores sobre o destino do sistema político do país”.

De fato, os eleitores têm boas razões para olhar para o momento atual e se perguntar se o governo Biden e os Democratas do Congresso estão fazendo o suficiente para enfrentá-lo. A alta inflação está tornando mais difícil para os americanos arcarem com o que eles necessitam e querem. A criminalidade geral aumentou, fazendo com que as pessoas temam por sua segurança. O governo federal está lutando para fazer cumprir as leis de imigração do país. A invasão da Ucrânia pela Rússia e as relações cada vez mais tensas dos Estados Unidos com a China estão minando a paz e a prosperidade globais.

Mas os Republicanos ofereceram poucos planos específicos para lidar com questões como inflação, imigração e crime – e mesmo que ganhem o controle do Congresso, é improvável que ganhem cadeiras suficientes para mudar significativamente a política federal nos próximos dois anos.

Um Senado controlado pelos Republicanos, no entanto, seria capaz de impedir o presidente Biden de preencher vagas na bancada federal e na Suprema Corte. Também se tornaria mais difícil obter confirmações para funcionários do poder executivo.

Os candidatos Republicanos também se comprometeram a dedicar tempo e energia significativos à investigação do governo Biden. “Não acho que Joe Biden e seus assessores estejam exatamente ansiosos para sancionar a legislação republicana, então nossas audiências serão a coisa mais importante que podemos ter”, disse a deputada Lauren Boebert, do Colorado, em um comício recente.

Além desse espetáculo, os Republicanos ameaçam encenar outro confronto sobre os gastos federais.

Em algum momento do próximo ano, espera-se que o governo atinja o limite de sua capacidade de endividamento autorizada, ou teto da dívida. Para cumprir os compromissos já autorizados pelo Congresso, será necessário aumentar esse limite. Isso deveria ser uma questão de manutenção básica, porque não pagar as contas do país arriscaria uma crise financeira global. Mas os votos do teto da dívida tornaram-se oportunidades recorrentes de extorsão.

Este conselho pediu que o Congresso elimine o teto da dívida, substituindo-o por uma lei de bom senso que diz que o governo pode tomar emprestado o que for necessário para prover os gastos autorizados pelo Congresso. Não há benefício público em exigir o que equivale a uma segunda votação nas decisões de gastos. Mas, por enquanto, o teto permanece, e os Republicanos deixaram claro que, se ganharem o controle do Congresso, pretendem usá-lo como moeda de troca com a Casa Branca para avançar nas metas fiscais de seu partido.

Uma prioridade nessa lista é cortar impostos. Os Republicanos já estão se preparando para avançar com a legislação para estender os cortes de impostos de 2017 para pessoas físicas, que beneficiam principalmente famílias ricas, ao mesmo tempo em que eliminam alguns dos aumentos compensatórios da tributação corporativa – um plano que não é facilmente conciliado com as preocupações declaradas do partido sobre inflação ou o aumento da dívida federal.

As propostas republicanas também tornariam mais difícil para o Internal Revenue Service impedir que americanos ricos sonegassem seus impostos. O deputado Kevin McCarthy, líder da minoria na Câmara, que está em posição de se tornar presidente se os republicanos obtiverem a maioria, disse que o “primeiro projeto de lei” que passaria sob sua liderança reverteria um aumento de US$ 80 bilhões para o Congresso do IRS aprovou que o financiamento em agosto para que o IRS possa reprimir a fraude fiscal desenfreada por famílias de alta renda.

Alguns republicanos seniores pediram a revogação de outra peça-chave da legislação de agosto, conhecida como Lei de Redução da Inflação: uma medida que limita os custos de medicamentos para idosos no Medicare, incluindo um teto mensal de US$ 35 para pagamentos de insulina.

Os Republicanos também lançaram planos para reverter benefícios mais firmemente estabelecidos. O Comitê de Estudos Republicanos, um grupo de trabalho de política conservadora cujos membros incluem mais da metade da atual safra de republicanos da Câmara, publicou um plano orçamentário em junho pedindo que o Congresso aumente gradualmente a idade de aposentadoria para 70 anos para os benefícios totais da Previdência Social para verificar o aumento custo do programa. O plano também aumentaria a idade de elegibilidade para o Medicare.

Os Democratas podem tornar mais difícil para os Republicanos perseguir esses objetivos aumentando o limite da dívida ou alterando as regras nas semanas entre a eleição e o final do ano.

Os democratas não conseguiram se conectar com as preocupações dos eleitores sobre inflação e segurança pública durante esta temporada de campanha. Eles lutaram para comunicar suas conquistas tangíveis, incluindo um grande aumento no financiamento para a aplicação da lei local e legislação bipartidária de segurança de armas, um investimento federal histórico no desenvolvimento de fontes de energia limpas e de baixo custo para enfrentar as mudanças climáticas e o custo de vida, e uma medida inovadora para reduzir o custo dos medicamentos prescritos para os beneficiários do Medicare.

Sem dúvida, há mais trabalho a ser feito sobre essas e outras questões, incluindo a saúde da economia e o estado quebrado da política de imigração. Os eleitores precisam decidir em qual partido confiam para fazer esse trabalho.

Mas as eleições de 2022 também são uma oportunidade para cada americano fazer sua parte na defesa da integridade das eleições americanas. A tarefa de salvaguardar a nossa democracia não termina com uma eleição e exige que todos desempenhem um papel. A governança de nossa nação depende disso.

*O Conselho editorial é formado por um grupo de jornalistas opinativos cujos pontos de vista se baseiam pela experiência, pesquisa, debate e valores ao longo das carreiras jornalísticas. O Conselho não é ligado à redação do TNYT. Publicado no TNYT em 7/11/2022 – https://www.nytimes.com/2022/11/07/opinion/midterms-win-control-congress.html?smid=nytcore-ios-share&referringSource=articleShare