Conflito no Oriente Médio já afeta humor do brasileiro, mas otimismo ainda se mantém elevado*

Pesquisa RADAR FEBRABAN

Conteúdo de divulgação FEBRABAN*

A avaliação da população sobre o país mantém-se estável enquanto a percepção sobre a inflação melhora, comparativamente aos últimos seis meses

A escalada do conflito entre Israel e o Hamas em outubro está afetando o otimismo do brasileiro quanto ao futuro do país. A guerra no Oriente Médio é uma preocupação para 83% dos entrevistados pela pesquisa RADAR FEBRABAN, que creem em consequências prejudiciais para a economia nacional. Embora a expectativa positiva sobre o país continue em níveis elevados, o número dos que acreditam que o Brasil vai melhorar até o final de 2023 caiu de 59% em setembro para 56% em outubro.

Ao mesmo tempo, se o cenário internacional conturbado fez com que as expectativas sobre o futuro ficassem mais cautelosas, as avalições sobre o país apresentam estabilidade. A opinião de que o Brasil está melhor este ano do que em 2022 manteve- se em 48%. Já a avaliação de que o país está igual caiu 3 pontos (30%), e os que identificam piora oscilaram de 19% para 20%.

A queda na inflação tem influência na boa perspectiva da população sobre o país, pois a percepção sobre a evolução do aumento de preços vem caindo desde o início do ano e chegou ao menor percentual da série histórica (53%), recuando dois pontos em relação a setembro. Aqueles que apontam diminuição da inflação e dos preços passam pela primeira vez de um quinto (de 20% para 24%).

Realizada entre os dias 12 e 16 de outubro, com 2 mil pessoas nas cinco regiões do País, pelo IPESPE (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) para a FEBRABAN, esta edição do RADAR FEBRABAN mapeia as expectativas dos brasileiros sobre este ano, tanto em relação à vida pessoal, quanto em relação à política e à economia do país, e mensura como a população encara o programa Desenrola, a Reforma Tributária, os golpes e tentativas de golpes bancários. A pesquisa também apura as opiniões de cada uma das cinco regiões brasileiras.

A aprovação do Governo Lula recuou 2 pontos percentuais em outubro, mas ainda assim, chegou ao seu 10o mês com 53% de aprovação, sendo o segundo maior percentual da série histórica, pouco abaixo dos 55% do levantamento anterior. Os que desaprovam somam 40%, mesmo patamar de junho e 2 pontos acima dos dados de setembro.

“A guerra entre Israel e Hamas acontece em meio a notícias positivas e negativas sobre a economia. De um lado, Copom e Banco Central estimam o crescimento da renda disponível das famílias brasileiras e queda da inflação e de outro lado o IBGE registra recuo no varejo no terceiro trimestre e o Índice de Atividade Econômica do Banco Central indica recuo na atividade econômica entre julho e setembro”, aponta o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE. “Além da tragédia humanitária do conflito no Oriente Médio, soma-se a apreensão com o impacto de eventual escalada regional sobre a elevação do preço do petróleo. No Brasil isso poderia gerar um efeito dominó sobre o IPCA, o preço dos combustíveis, dos alimentos e de outros produtos, afetando diretamente o consumidor.

Desenrola e endividamento

A pesquisa mostra que aumentou ainda mais o conhecimento sobre o Desenrola Brasil, programa de refinanciamento de dívidas do Governo Federal em parceria com os bancos, que passou de 70% em setembro para 75% em outubro. Também é majoritária a aprovação do programa: 81% aprovam a iniciativa.

Por outro lado, a maioria dos entrevistados (57%) desconhece a nova fase do programa e a plataforma online do Desenrola Brasil, que pressupõe um cadastro de nível prata ou ouro no portal gov.br. Ainda sobre a plataforma online, somam 42% os que declaram já terem acessado ou que têm interesse em acessar.

Neste cenário, com os possíveis impactos do Desenrola Brasil, a perspectiva de aumento do endividamento, que vinha em crescimento desde o início do ano, recuou três pontos entre setembro e outubro (de 25% para 22%). Inversamente, a expectativa da população de ficar menos endividada subiu de 38% para 41%.

Seguem mais resultados do levantamento:

*** ECONOMIA

Economia pessoal e familiar

No âmbito pessoal e familiar, a expectativa favorável em relação aos últimos meses de 2023 manteve-se em patamar elevado, voltando ao percentual de abril e junho (70%). A parcela que percebe melhoria de vida entre 2022 e 2023 oscilou de 45% para 46%, ao passo que subiu dois pontos a percepção de piora (de 18% para 20%). Os que não veem mudança caíram de 35% para 33%.

Projeções

  • ✓  Taxa de juros: a perspectiva de aumento, em linha descendente desde fevereiro, manteve-se em 45%; enquanto o percentual dos que acham que vai diminuir oscilou de 25% para 26%.
  • ✓  Inflação e custo de vida: subiu de 43% em setembro para 45% a projeção de aumento.

✓ Desemprego: o receio de que o desemprego aumente é declarado por 36%, dois pontos a mais do que em setembro.

✓ Poder de compra: acompanhando a projeção sobre a inflação e o desemprego, caiu de 40% para 38% a parcela que aposta em aumento do poder aquisitivo. Os que acham que não haverá alteração foram de 22% para 25%; e a parcela mais pessimista, que acredita na diminuição do poder de compra, oscilou de 34% para 33%.

✓ Acesso ao crédito41% acreditam que vai aumentar, leve queda diante dos 42% de setembro. Oscilou de 29% para 30% a opinião de que vai continuar como está; e de 22% para 23% a crença de que vai diminuir.

✓ Impostos: em meio à discussão sobre a Reforma Tributária, a expectativa de aumento oscilou de 53% para 54%.

PRIORIDADES DA POPULAÇÃO

No ranking de áreas prioritárias para a atuação do Governo Federal, Saúde e Emprego/Renda – com mais de um quarto das menções –, seguidos de Educação, continuam a ocupar os primeiros lugares. Itens como Inflação e custo de vida, Fome e pobreza e Corrupção, que no final de 2022 alcançavam dois dígitos, apresentaram queda paulatina ao longo da série histórica, ao passo que Segurança – provavelmente também sob impacto do noticiário da guerra – cresceu, ocupando agora o 4o lugar.

  • Saúde: é mencionada como prioridade por 29% dos brasileiros (1a menção), mantendo o percentual de setembro.
  • Emprego e Renda: oscilação de menos um ponto em relação a setembro, marcando agora 26%.
  • Educação: a citação a essa área oscila menos um ponto, de 15% para 14%.
  • Segurança: obtém 8% das menções, três pontos a mais que em setembro.
  • Inflação e Custo de Vida: com 7%, apresenta oscilação de menos um pontoem relação a setembro.
  • Fome e Pobreza: variação de mais um ponto, subindo de 6% para 7%.
  • Corrupção: apresenta estabilidade, com 4%, mesmo percentual de setembro.DESEJOS DOS BRASILEIROSNa hipótese de sobra no orçamento doméstico, os entrevistados mantêm os desejos já registrados nas pesquisas anteriores. A maioria optaria por “comprar imóvel” (30%) ou “reformar casa” (20%)“aplicar em investimentos bancários” – poupança (22%) ou outros (25%). “Fazer cursos e melhorar a educação sua e da família” aparece em 5o lugar, com 18%. Ainda na casa dos dois dígitos aparecem “Viajar” (14%),“Fazer ou melhorar o plano de saúde” (10%) “Comprar carro” (10%).REFORMA TRIBUTÁRIAO conhecimento sobre a Reforma Tributária teve discreto aumento. Saiu de 42% em setembro para 45% em outubro a parcela que tomou conhecimento sobre a Reforma

Tributária no que se refere à parte dos impostos sobre o consumo (PEC 45/19). Mas o desconhecimento ainda prevalece entre 55% dos entrevistados. Entre os que declaram ter conhecimento da Reforma, metade deles aprova (49%), e o restante se divide entre desaprovação (25%) ou baixa informação, sendo incapazes de emitir opinião a respeito (26%).

GOLPES E TENTATIVAS DE GOLPES

Entre abril e outubro desse ano, saltou 7 pontos (de 31% para 38%) o percentual de brasileiros que relatam terem sido vítimas de golpes ou tentativas de golpes. Essa menção é mais comum nas faixas de instrução e renda mais altas: nível superior (49%) e renda acima de 5 SM (47%).

Os golpes mais comuns continuam os mesmos mencionados em levantamentos anteriores, mas novas modalidades desse tipo crime se fazem presentes.

▪ Golpe da clonagem de cartão de crédito ou troca de cartões: segue como o mais comum, com leve recuo de dois pontos entre abril e outubro (de 50% para 48%).

▪ Alguém se fazendo por um conhecido solicitando dinheiro por WhatsApp: segundo golpe mais frequente, com 30% das menções (dois pontos a mais que em abril).

▪ Golpe da central falsa onde alguém pede seus dados por telefone: terceiro mais citado, com 27% (recuo de um ponto em relação a abril).

▪ Golpe do Pix: acrescido à lista estimulada do RADAR, recebe 20% das menções. ▪ Golpe com utilização do CPF através de SMS: também listado pela primeira vez

na pesquisa, tem 15% de ocorrências declaradas.
▪ Golpe do leilão ou da loja virtual9% das menções.
▪ Golpe do buquê de flores e do presente de aniversário: mencionado por 3%.

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RADAR FEBRABAN, pesquisa FEBRABAN

Febraban – Federação Brasileira de Bancos

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Otimismo do brasileiro continua crescendo, com menor expectativa de inflação e melhora na vida pessoal e familiar

No nono mês de mandato, melhoras na economia fazem aprovação do Governo Lula alcançar 55%, maior patamar desde o início do ano. Interesse pelo Desenrola chega a 73%

O cenário de melhora no ambiente econômico brasileiro está tendo reflexos na perspectiva do brasileiro em relação ao país e à economia pessoal e familiar. A rodada de setembro da pesquisa RADAR FEBRABAN, Pesquisa Febraban-Ipespe, aponta que o montante dos que acreditam que o Brasil vai melhorar até o final de 2023 cresceu de 53% em junho para 59% em agosto, maior percentual da série histórica. Os pessimistas, que acreditam em piora, se reduziram de 24% para 18%. Já aqueles que não preveem mudanças no quadro até o final do ano continuam a somar um quinto dos entrevistados (20%).

Ao mesmo tempo, a percepção sobre aumento dos preços chega ao final desse segundo quadrimestre com o menor percentual da série histórica (55%), tendo recuado quatro pontos em relação a junho. O percentual dos que apontam a diminuição da inflação e dos preços cresceu para 20%.

Realizada entre os dias 28 de agosto e 1º de setembro, com 2 mil pessoas nas cinco regiões do País, esta edição do RADAR FEBRABAN mapeia as expectativas dos brasileiros sobre este ano, tanto em relação à vida pessoal, quanto em relação à política e à economia do país, e mensura como a população encara ao programa Desenrola e Reforma Tributária. A pesquisa também apura as opiniões de cada uma das cinco Regiões brasileiras.

Sobre o governo federal, a pesquisa aponta que a aprovação alcançou 55%, maior patamar desde o início do ano. Ao mesmo tempo, houve queda na desaprovação, que chegou a 38%. Nesse cenário favorável, a opinião de que o Brasil está melhor avançou de 41% em junho para 48% em agosto, um incremento de 7 pontos.

“Os resultados dessa edição do RADAR FEBRABAN refletem em grande medida o ambiente econômico favorável apontado nas últimas avaliações e projeções divulgadas, que indicam desaceleração da inflação, redução da taxa de juros, queda do desemprego, aumento do consumo e adesão às medidas para redução do endividamento”, lembra o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

Desenrola

A pesquisa também mostra que é grande o conhecimento e interesse do brasileiro pelo Programa Desenrola Brasil, de renegociação de dívidas do Governo Federal com a participação dos bancos, lançado em 17 de julho. Os números mostram que subiu de 45% em junho para 70% em agosto o conhecimento sobre o programa. Junto com a ampliação do conhecimento sobre o Desenrola, avança a adesão ou o interesse em participar, chegando a mais de sete em cada dez (73%) entre aqueles que possuem dívidas. Seguem os principais resultados do levantamento:

ECONOMIA

Inflação

A percepção sobre aumento dos preços chega ao final desse segundo quadrimestre com o menor percentual da série histórica. Cai de 79% em dezembro de 2022 para 55%. Em relação ao levantamento de junho recuou quatro pontos. Em relação ao final do ano passado, dobrou o percentual daqueles que apontam diminuição da inflação e dos preços, passando de 10% para 20%.

País

A opinião de que o Brasil está melhor avançou de 37% em abril para 48% em agosto, um incremento de 11 pontos. Em relação à pesquisa anterior, de junho, o crescimento foi de 7 pontos. A avaliação de que o país está igual manteve-se em um terço, e os que identificam piora diminuíram, no último bimestre, de 25% em abril para 19%.

O montante dos que acreditam que o Brasil vai melhorar até o final de 2023 cresceu de 53% em junho para 59% em agosto, maior percentual da série histórica. Os pessimistas, que acreditam em piora, se reduziram de 24% para 18%; e aqueles que não preveem mudanças no quadro até o final do ano continuam a somar um quinto dos entrevistados (20%).

Economia pessoal e familiar

No âmbito pessoal e familiar, os movimentos entre os dois levantamentos recentes também foram positivos. Aproxima-se de metade dos entrevistados a parcela que aponta melhoria da vida no cotejo com 2022 (45%); ao passo que recuou um ponto a percepção de piora (19% para 18%). Com relação ao restante de 2023, a expectativa positiva a respeito da melhoria da vida pessoal e das respectivas famílias praticamente recupera o patamar do início do ano, alcançando 72%.

Projeções

  • Taxa de juros: aspecto com melhor resultado nessa rodada do estudo, sob provável impacto do anúncio da redução da taxa Selic. A expectativa de que vai aumentar caiu de 48% para 45%, enquanto o percentual dos que acham que vai diminuir foi de 22% para 25%.
  • Poder de compra: variação de 37% para 40% na parcela dos que apostam em aumento do poder aquisitivo.
  • Inflação e custo de vida: a opinião de que os preços vão aumentar recuou de 45% em junho para 43% em agosto.
  • Desemprego: a projeção de que vai cair voltou a 40%, com oscilação de mais um ponto em relação a junho; já o receio de que o desemprego vai aumentar se manteve em 34%.
  • Acesso ao crédito42% acreditam que vai aumentar (eram 41% em junho). Manteve-se em 22% a opinião de que vai diminuir.
  • Impostos: em meio à discussão sobre a Reforma Tributária, mantém-se estável a percepção de que os impostos vão aumentar (53%); ao passo que número inferior a um quinto acredita em sua diminuição (18%).

GESTÃO DO PAÍS

Ao chegar no 9º mês de mandato, em um contexto de melhorias na economia, o Governo Lula tem aprovação de 55%, maior patamar desde o início do ano. Os que desaprovam somam 38%, uma diminuição de dois pontos em relação a junho. A aprovação do Governo se destaca no Nordeste (65%), entre os que possuem instrução até fundamental (60%), na renda até 2SM (59%), no público feminino (59%) e na faixa de 25 a 44 anos (59%).

PRIORIDADES DA POPULAÇÃO

  • Saúde: atinge o maior percentual da série, saindo de 25% em junho para 29% em agosto (na 1a menção), um incremento de quatro pontos;
  • Emprego e Renda: ultrapassam um quarto das menções (27%), com aumento de três pontos em relação a junho.
  • Educação: a citação a essa área oscila menos dois pontos, de 17% para 15%.
  • Inflação e Custo de Vida: em meio às expectativas favoráveis, esse item prioritário aparece, pela 1a vez, com um dígito, diminuindo de 11% em junho para 8% em agosto.
  • Fome e Pobreza: variação negativa de dois pontos, reduzindo de 8% para 6% no último bimestre.
  • Corrupção: esse aspecto vem em declínio desde o final do ano passado, quando pontuou 10%, caindo agora para 4%

DESEJOS DOS BRASILEIROS

Com a expectativa de melhora na economia e mediante a condição de haver excedente no orçamento doméstico, a maioria dos entrevistados optaria por “comprar imóvel” (30%) ou por “aplicar os recursos no sistema bancário” (20%na poupança e 24% em outros investimentos bancários), sem alteração no ranking registrado em junho. ‘Fazer cursos e melhorar a educação sua e da família” é um desejo de 17% dos entrevistados, em caso de sobras no orçamento familiar, voltando ao patamar de dezembro de 2021. Ratificando a crescente preocupação com a área da Saúde como prioridade número um, cabe realçar o interesse de “fazer ou melhorar o plano de saúde”, item que voltou à casa dos dois dígitos – de 8% em junho para 10% em agosto.

ENDIVIDAMENTO E PROGRAMA DESENROLA

No contexto de expectativas de ampliação do crédito, maior estabilidade dos preços, aumento do poder de compra e aproximação do final do ano, aumenta entre os brasileiros a expectativa de endividamento, passando de 15% em fevereiro e chegando a 25% em agosto. Inversamente, a expectativa da população de ficar menos endividada caiu de 53% em fevereiro para 38% agora.

Subiu de 45% em junho para 70% em agosto o conhecimento sobre o programa de renegociação de dívidas do Governo Federal com a participação dos bancos, o Desenrola. Menos de um terço (30%) afirma desconhecer o programa (em junho era mais da metade da população). Junto com a ampliação do conhecimento sobre o Desenrola, avança a adesão ou o interesse em participar, chegando a mais de sete em cada dez entrevistados que possuem dívidas (73%).

REFORMA TRIBUTÁRIA

Cerca de seis em cada dez entrevistados (58%) não tomaram conhecimento sobre a Reforma Tributária no que se refere à parte dos impostos sobre o consumo (PEC 45/19). Dos 42% que conhecem o tema (mediante estímulo de breve descrição), 48% aprovam, 26% desaprovam e outros 26% não souberam opinar.

FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos

Diretoria de Comunicação 11 3244-9831/9942

Indefinição sobre reforma ministerial deve afetar agenda de Haddad no Congresso, dizem analistas

Ministro da Fazenda conta com medidas de arrecadação que dependem do parlamento para cumprir promessa de zerar déficit fiscal em 2024

As idas e vindas nas negociações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com lideranças do chamado “centrão” para acomodar representantes do Progressistas e do Republicanos na Esplanada dos Ministérios em troca de apoio parlamentar devem influenciar no andamento da agenda econômica do governo no Congresso Nacional, segundo analistas políticos.

É o que mostra a 48ª edição do Barômetro do Poder, levantamento feito mensalmente pelo InfoMoney com consultorias e analistas independentes sobre alguns dos principais temas em discussão na política nacional.

Segundo o estudo, realizado entre os dias 22 e 25 de agosto, 54% dos entrevistados consideram elevados os impactos do atraso na definição da reforma ministerial sobre a tramitação de assuntos de interesse do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que tem buscado medidas de impacto fiscal para cumprir a promessa de zerar o déficit primário e 2024.

O levantamento mostra que apenas 9% veem como “baixo” o efeito de contágio do vaivém da reforma ministerial sobre a pauta econômica neste segundo semestre. Em uma escala de 1 (muito baixo) a 5 (muito alto), contudo, o impacto médio apontado pelos analistas políticos consultados foi de 3,55.

As tratativas de Lula com o “centrão” ocorrem no momento em que Haddad tenta convencer parlamentares de votar mudanças nas regras de tributação dos fundos exclusivos (também conhecidos como fechados ou “onshore”) e de aplicações financeiras mantidas por brasileiros no exterior, sobretudo via “offshores”.

O chefe do Ministério da Fazenda conquistou importantes vitórias nos últimos meses, como a aprovação do novo arcabouço fiscal, das novas regras para preço de transferência e a retomada do chamado “voto de qualidade” a favor da União em casos de empate em julgamentos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).

Mas também foi derrotado com a aprovação de projeto de lei que prorroga até o fim de 2027 a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia ‒ medida com impacto estimado em R$ 9,4 bilhões ao ano. O texto, votado ontem (30) pelo plenário da Câmara dos Deputados, também incorporou medida que reduz a contribuição previdenciária paga por todos os municípios do país sobre o salário de servidores públicos.

Para zerar o déficit em 2024, Haddad também depende do Congresso Nacional para aprovar medidas como o fim dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP), a regulamentação de decisão conquistada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantindo a inclusão de incentivos fiscais do ICMS na base de cálculo de IRPJ e CSLL para casos de subvenções a custeio, além da própria regulamentação e tributação de apostas esportivas (as chamadas “bets”).

“A demora da reforma ministerial vai afetar o plano de impostos do Ministério da Fazenda”, disse um analista político consultado nesta edição do Barômetro do Poder. Conforme acordado previamente com os participantes, os resultados são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e dos comentários.

“A capacidade de aprovação do governo de suas prioridades no segundo semestre depende diretamente da concretização da minirreforma ministerial, com a entrada de PP e Republicanos na Esplanada. A demora de Lula em decidir a distribuição já resultou em novos reveses ao governo na Câmara, em especial no adiamento da discussão da tributação de rendimentos offshore”, destacou outro especialista.

“A aprovação do PL do Carf e do arcabouço fiscal foram provas de que o governo conseguiu ‘tirar a faca do pescoço’, evitando que a aprovação da agenda econômica fosse condicionada pela definição dos ministros”, pontuou um terceiro analista.

Barômetro do Poder mostrou ainda que, dividindo o Congresso Nacional em três grandes grupos (alinhados ao governo, oposição e incertos), a média das estimativas para a base de Lula ficou em 210 deputados (41%) e 36 senadores (44%). Já a oposição soma 130 deputados (25%) e 23 senadores (28%).

As estimativas para a base governista variam de 140 a 315 deputados. Já no Senado Federal, elas vão de 17 a 46. No caso da oposição, a variação é de 47-233 e 11-29, respectivamente.

“A maior incerteza no horizonte é a variação no apoio ao governo do Progressistas e do Republicanos, após a efetiva entrada formal das duas legendas no ministério. Num cenário mais otimista, a base aliada pode vir a superar os 300 deputados. Mas o status quo já é também relativamente favorável ao Planalto, exceto em pautas que separam a esquerda do centro e da direita (como no marco temporal, por exemplo)”, destacou um analista.

A edição de agosto do levantamento já mostrou algum contágio do atraso da reforma ministerial sobre as expectativas dos analistas políticos. Para 55%, o governo hoje tem “alta” capacidade de aprovar proposições no parlamento, enquanto 45% consideram “moderada”. Um mês atrás, os dois grupos somavam 85% e 15%, respectivamente.

No mesmo sentido, caiu de 62% para 45% o grupo de analistas que consideram “boa” a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. Já os que avaliam como “moderada” foram de 38% para 45%, e os que consideram “ruim” saíram de 0% para 9%.

Também caíram de 69% para 18% as apostas de que a relação entre os dois Poderes “vai melhorar”. Já os que esperam uma piora foram de 0% para 18%. Houve um crescimento de 33 pontos percentuais daqueles que apostam em cenário de estabilidade, para 64%.

Esta edição do Barômetro do Poder ouviu 8 consultorias políticas – BMJ Consultores Associados; Control Risks; Empower Consultoria; Eurasia Group; Patri Políticas Públicas; Prospectiva Consultoria; Pulso Público; e Tendências Consultoria Integrada – e 3 analistas independentes – Antonio Lavareda (Ipespe); Carlos Melo (Insper); e Thomas Traumann.

Clique aqui para acessar o levantamento na íntegra

Antonio Lavareda: Por que somos a única democracia com o presidente da Câmara filiado a partido com só 1% da preferência popular?

As legendas comandam o jogo político, mas o voto nelas é “indireto”: vota-se em personagens que trocam com frequência de siglas à revelia dos representados

Por Antonio Lavareda* — Recife

16/08/2023 14h17 – publicado em O Globo/ Editoria: Pulso. Leia na plataforma de O Globo – https://oglobo.globo.com/blogs/pulso/post/2023/08/artigo-por-que-somos-a-unica-democracia-com-o-presidente-da-camara-filiado-a-um-partido-com-so-1percent-da-preferencia-popular.ghtml

É quase banal afirmar que o terceiro governo Lula é forçado a refletir parte significativa da disfuncionalidade que o sistema político produziu ao longo da Nova República. Para ficarmos no campo da representação, só uns poucos analistas “nefelibatas”, como diria Fernando Henrique, ainda teimam candidamente em enxergar virtudes nos sintomas políticos patológicos da sociedade — partidos socialmente desenraizados, e o Congresso hipertrofiado na fragilidade dos presidentes gerando o “parlamentarismo orçamentário”. Fórmula que salta aos olhos quando se constata que este ano o valor agregado das emendas de todos os tipos destinadas a deputados e senadores — R$ 35 bilhões — é mais da metade do investimento discricionário reservado ao Executivo (Melo e Mendes, 2023).

A volta de Lula ao Planalto nesse contexto demanda um esforço contínuo de articulação e transações que inclui a imprescindível alocação do portfólio ministerial, traduzida em coalizões sucessivas. Já foram quatro, cumulativas. A inicial, antes do primeiro turno, com os partidos que subscreveram a candidatura; a seguir, a do segundo, turno com a hoje ministra Simone Tebet na “frente democrática”; outra, no interregno entre eleição e posse, com União Brasil e PSD viabilizando a “PEC da transição”; e essa de agosto com a chegada do Republicanos e do Progressistas. É provável que ocorram outras adiante.

Com a Câmara liderada pelo Centrão, a agenda legislativa do Presidente fica à mercê do seu comandante, Arthur Lira, ungido ineditamente por 90,5% dos seus pares. Daí que reverbere com frequência na mídia a tese que na prática o governo deveria ser no mínimo “dividido” entre os apoiadores originais de Lula — PT e aliados da esquerda e centro — e a direita pragmática, aquela não pilotada digitalmente pelo bolsonarismo. No fundo, essa ideia é alimentada pela noção de que o presidencialismo tradicional se esgotou, e que precisamos encarar como inevitável um caminho híbrido que mescle características dos dois regimes. Muitos atores sonham com algo que na verdade seria assemelhado a uma “coabitação” à francesa.

A engenharia institucional do presidencialismo multipartidário, exposto a situações de incongruência político-ideológica entre a maioria no Legislativo e o chefe do Estado, buscou remédios para evitar o apagão do sistema. No semipresidencialismo francês, a constituição de 1958 previu a “coabitação”, sem usar esse nome. O modelo foi utilizado três vezes. A primeira quando a direita ganhou as eleições legislativas em 1986, e o presidente socialista François Mitterrand nomeou Jacques Chirac, líder do RPR, principal partido da oposição, como chefe do governo. Os franceses tiveram durante três anos um presidente de um lado do espectro político — com poderes sobre a política externa, de defesa, além do poder de convocar eleições — e um primeiro-ministro, condutor dos assuntos internos do país, do bloco oposto.

Desconexão e mandatos individualizados

No conjunto, as experiências não foram positivas. Na última, o fracasso da gestão do socialista Lionel Jospin sob a presidência de Chirac simplesmente retirou a esquerda do segundo turno da eleição de 2002. O insucesso levou à adoção de várias medidas para restringir a chance de sua ocorrência. Por fim, alterou-se o calendário eleitoral, fixando-se a eleição legislativa algumas semanas após a presidencial. Nunca mais aconteceu a coabitação. Designação, aliás, que Mitterrand rejeitava porque sugeria uma espécie de “conivência” entre dois opostos (Favier et Martin Roland, 1999).

Cerca de 90% das coalizões nos países presidencialistas resultam de compromissos antes das eleições, não depois, como assistimos aqui (Albala, 2021; Albala e Couto, 2023). Por que experimentamos isso com tanta frequência? Pela desconexão predominante entre o sufrágio nos candidatos à Câmara e a escolha do presidente, separação que só diminuiu a partir de 2018 (Lavareda e Silva Alves, 2022). Na raiz, está o voto proporcional com lista desordenada, que produz mandatos individualizados. Representantes que já denominei de “empreendedores individuais”, filiados a “partidos hidropônicos” (Lavareda, 2023).

Metade dos eleitores não sabe citar a legenda do seu candidato a deputado 15 dias após o pleito. E somente um terço consegue — poucos meses depois da eleição — lembrar o nome em quem votou. Os partidos comandam o jogo político, mas o voto neles é “indireto”. Vota-se em personagens que trocam com frequência de siglas à revelia dos representados. O resultado é que somos, por exemplo, a única democracia do mundo com um presidente da Câmara filiado a uma organização (PP) que tem apenas 1% de preferência popular, segundo o último levantamento a respeito do Datafolha. Os partidos, com poucas exceções, não existem na sociedade. O Centrão, onipresente nas manchetes dos jornais, é uma entidade política metafísica. Sem registro no TSE. Uma Frente Parlamentar sem signatários. Uma espécie de Maçonaria sem loja.

O modelo para o qual seria factível evoluirmos necessariamente manteria a instituição presidencial. Além da “campanha das diretas”, marco da fase de superação do governo autoritário, tivemos dois plebiscitos nos quais a população mostrou a força simbólica dos presidentes. E, no mundo, vemos que na terceira onda de democratização iniciada nos anos 1970 na maioria dos casos criou-se ou preservou-se a figura do presidente eleito pelo voto popular (Chaisty, Cheeseman e Power, 2018).

Dito isso, poderia dar certo um semipresidencialismo sem partidos socialmente enraizados? O parlamentarismo do Império funcionava porque quando o partido do Gabinete se desentendia no Legislativo, Pedro II mudava o Gabinete, que organizava novas eleições, sempre manipuladas, que replicavam na Câmara a natureza do Conselho de Ministros (Lynch, 2019). Já o parlamentarismo na Presidência de João Goulart, embora com representantes de poucos partidos, não resistiu à conjuntura efervescente e às pressões contra o novo sistema que anteciparam o plebiscito que o derrotou (Almeida, 1999).

Hoje, com a fragmentação elevada a que chegamos, de um lado teríamos uma liderança forte chefiando o Estado, legitimada por dezenas de milhões de votos, e certamente guardando alguma capacidade de influenciar o curso do governo; e de outro um Gabinete tal como hoje com membros de inúmeros partidos, a maioria desconhecidos aos olhos da sociedade. Sempre que aparecia um conflito entre os dois entes, de antemão sabemos qual a sociedade respaldaria. Quando se diz que os partidos enfim seriam responsabilizados pela participação efetiva no governo, parecendo dessa forma que eles passariam a “existir” aos olhos da sociedade, esquece-se, contudo, que todos os parlamentares que passam pelos ministérios desfrutam apenas do bônus de fazê-lo. Caso desejem, continuarão a ser votados individualmente sem qualquer associação ao governo do qual participaram.

A questão de fundo é simples: a consolidação dos partidos na sociedade é condição antecedente para o bom funcionamento de quaisquer eventuais modelos híbridos. Assim como para a superação das disfunções no relacionamento entre os poderes Legislativo e Executivo no combalido modelo atual. Se quisermos ser práticos, deixando de lado idealismos estéreis, o caminho factível para conseguí-lo, mantida a exigência da proporcionalidade nas eleições parlamentares disposta no artigo 45 da Constituição, seria a adoção por Projeto de Lei da lista preordenada, deixando-se para a autonomia e o pragmatismo eleitoral dos comandos partidários a definição dos respectivos procedimentos de sua elaboração.

Enquanto nossas legendas não deitam raízes na opinião pública, a maioria praticamente inexistindo nesse nível, incapazes de vertebrar politicamente a sociedade, sempre é legítimo indagar: democracias representativas podem funcionar totalmente sem partidos?

O microcosmo de Palau

Do ponto de vista empírico a resposta é afirmativa. Podem, sim. Em condições bem particulares, é verdade. A Freedom House, no seu report de 2023, reconhece que a República de Palau tem bom desempenho nessa categoria, com mídia e Judiciário independentes e liberdades civis asseguradas. Mas trata-se de um arquipélago com população diminuta, uma das seis “democracias sem partido” no Pacífico. Embora tenha copiado a arquitetura institucional dos seus antigos administradores americanos, e faça eleições regularmente, ela é marcada pelas relações personalistas de uma cultura de clãs. Lá, as alianças no governo são cambiáveis, e no parlamento teoricamente não há governo e oposição. Todos os membros são “independentes”. O que lembra aqueles nossos mais de 200 deputados e senadores que se autoclassificam da mesma forma, enquanto miram a chance de ocupar uma cadeira a cada eventual reforma ministerial.

Palau, como um microcosmo, parece o sonho de quem atribui aos partidos todas as mazelas do mundo. Mas os resultados do seu modelo de representação absolutamente individualizada não ficam nada a dever ao que a crônica identifica aqui (Shuster, 1994; Veenendaal, 2013). Segundo quem se debruçou sobre o país de forma mais aprofundada, a política naquelas ilhas é dominada por um combo que inclui patronagem, clientelismo, pouca transparência e nepotismo.

*Cientista político e sociólogo. Presidente do Conselho Científico do Ipespe.

Observatório Febraban/IPESPE – julho/2023

O prestígio das profissões e os setores que mais geram riqueza na opinião dos brasileiros

O prestígio de uma profissão vai além de sua função social ou importância objetiva na cadeia de produção: tem forte conotação simbólica e não se forma ao acaso. Fatores históricos relacionados à consolidação das profissões no país, demandas por conhecimentos e habilidades em determinados períodos do desenvolvimento, relações de poder entre corporações profissionais, representações sobre reconhecimento social e incentivos financeiros se somam na constituição de um ranking de prestígio das profissões. Esse ranking pode ser reconfigurado periodicamente a partir de mudanças sociais e econômicas e da influência dos meios de comunicação e redes sociais.

Estariam os brasileiros alinhados ou não com essas tendências? É sobre essa dimensão do prestígio das profissões e da opinião acerca dos setores que mais geram riqueza no país que trata o Observatório Febraban, nessa edição de julho de 2023. Estudos internacionais do Gallup, YouGov e outros institutos também abordaram essa temática e serviram de referência para o presente levantamento.

Todos os estudos recentes sobre a temática de profissões e empregabilidade tratam das mudanças no mercado de trabalho, com surgimento de algumas atividades e declínio de outras. O Relatório “O Futuro dos Empregos 2023”, do Fórum Econômico Mundial, que analisa dados de 45 economias no mundo, afirma por exemplo que um quarto dos empregos deverá mudar nos próximos cinco anos. E chama a atenção para uma multiplicidade de fatores simultâneos, como transformação tecnológica e avanço da inteligência artificial, transição verde, mudanças dos padrões ESG e da localização das cadeias de suprimentos, que combinados a desafios econômicos moldarão a demanda por empregos e habilidades no futuro próximo.

Nesse cenário, não apenas as capacidades relacionadas à tecnologia estarão em ascensão, mas também os empregos verdes, educacionais e agrícolas. À luz dessas transformações, ganham relevância as políticas públicas voltadas à educação e requalificação, em que governos e educadores têm o desafio de gerar oportunidades de desenvolvimento das aptidões atualmente mais valorizadas.

No Brasil, como em todo o mundo, a pandemia escancarou um cenário de incerteza e acelerou uma série de mudanças antes pensadas para um horizonte de dez anos. Além disso, teria impactado na forma como as profissões são vistas, com aumento da valorização daquelas voltadas ao cuidado das pessoas. Dessa forma, cresce o debate sobre a reconfiguração, a partir das inovações tecnológicas e sob as tendências de ESG, da oferta e demanda de trabalho no país, bem como do status das diversas profissões.

Avaliação ou aprovação? Um equívoco que vem de longe

Confusão é matéria-prima para batalha de narrativas e não pode ser naturalizada

Por Antonio Lavareda* — São Paulo 15/05/2023 04h30 – publicado em Pulso de O Globo

Finalmente, depois de uma expectativa que se arrastou por meses, Joe Biden lançou no dia 24 último a sua candidatura à reeleição. “Let’s finish the job”, concluiu no vídeo de três minutos. Os críticos não perderam a oportunidade de chamar a atenção para as pesquisas divulgadas na mesma semana que apontavam um grande número de democratas desejosos de outra opção. E ainda mais importante, que o presidente mantinha uma aprovação baixa, de apenas 40% na média dos levantamentos.

Na verdade, esse apoio de quatro em cada dez americanos não chega a ser um argumento inviabilizador do projeto. Reagan tinha, na mesma altura do percurso, marca parecida (39%). Porém, qual teria sido o efeito político eleitoral se, em vez de 40%, o percentual anunciado fosse apenas os 22% que em pesquisas como a Marist Poll ou a Fox News Poll correspondiam aos que “aprovavam fortemente” o seu trabalho? Óbvio que a reeleição seria carimbada de logo como um sonho impossível. A “aprovação” dos governantes é o item mais frequente nas pesquisas desde que George Gallup o introduziu em julho de 1939. Não há melhor preditor das chances de reeleição dos mesmos, bem como da sua capacidade de influenciar os demais poderes e de impulsionar a própria agenda.

No Brasil, dados das pesquisas sobre o desempenho do presidente Lula feitas no primeiro quadrimestre deste ano por quatro institutos¹ foram estampados 16 vezes na primeira página dos cinco principais jornais do país.² Esses títulos naturalmente se multiplicaram nas TVs, nas rádios, nos blogs e nas redes sociais. Com percentuais que variaram, na média, de 38% a 58%. Discrepância aparentemente inexplicável que deve ter desnorteado os leitores. Qual o motivo? Simplesmente, 56% dos títulos estavam errados. Confundiam avaliação com aprovação. Na verdade, nesse período, 58% foi a média mais alta da “aprovação” ao governo. Ao passo que a média da “avaliação expressamente positiva” mais baixa foi de 38%. A diferença é fonte de confusão para quem lê; matéria-prima para a batalha de narrativas; e, como não poderia deixar de ser, um fator de desgaste adicional para a imagem das pesquisas. A origem disso é fácil de entender. Não ocorreu só agora. O equívoco vem de longe. Mas o fato de ser um problema antigo não significa que deva ser naturalizado.

Aprovação: a pergunta é dicotômica “aprova ou desaprova?” ou pode ser em escala como “aprova fortemente”, “aprova”, “não aprova, nem desaprova”, “desaprova” e “desaprova fortemente”. Quando as escalas são usadas, se somadas as duas categorias positivas e as duas negativas, chega-se a um conjunto das atitudes positivas e negativas diante de um governo assim como ocorre no formato dicotômico “aprova ou desaprova?”.

Avaliação: “ótimo/bom/regular/ruim/péssimo”. Avaliações expressamente positivas (ótimo/bom) e expressamente negativas (ruim/péssimo) deixam de fora atitudes positivas e negativas que estão contidas na categoria “regular”. Resultados não podem ser confundidos com “aprovação”.

As opiniões sobre um governo, bem como sobre outros objetos, podem ser mensuradas de forma dicotômica, como desde o início dos inquéritos (exemplo: aprova ou desaprova) ou as atitudes também podem ser graduadas por meio de escalas com palavras, números, ou ambos, modelo que leva o nome de Likert, o psicólogo social que o concebeu. Assim, metade dos dez institutos americanos de maior prestígio ranqueados pelo FiveThirtyEight usa desde sempre apenas o enfoque binário (aprova/ desaprova), e metade lança mão de escalas (“aprova fortemente”, “aprova”, “não aprova nem desaprova”, “desaprova”, “desaprova fortemente”). Há diferenças na exata formulação da pergunta (wording) por cada investigador, embora a referência ao “trabalho que o presidente X está fazendo” seja a mais comum. Mas nenhum deles recorre à avaliação adjetivada usada entre nós (ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo). E todos eles usam uma única pergunta.

Aqui, diferentemente, a maioria dos institutos lança mão de duas questões: uma com escala de “avaliação”, outra, dicotômica, de “aprovação”. E daí deriva a confusão na mídia entre uma coisa e outra. Das casas tradicionais, com mais de duas décadas na praça, apenas o Datafolha não inclui a pergunta de “aprovação”. Na cobertura da imprensa é frequente vermos denominada como “aprovação” o que na verdade é tão somente a avaliação “expressamente positiva”, deixando-se à margem as atitudes positivas contidas no segmento que classifica o governante como “regular”. O que fica demonstrado com clareza no cruzamento das respostas às duas indagações.³

Ou seja, além de tomadas recorrentemente como sinônimos, o que não são, também se faz amiúde uma equivalência entre o que é aprovação (expressando o conjunto das atitudes positivas) e o que representa apenas o equivalente a uma parte delas — a avaliação expressamente positiva (ótimo/bom) da administração.

As pesquisas no Brasil foram submetidas na última disputa presidencial a um ataque sem tréguas do negacionismo científico politicamente motivado. No entanto, também é certo que por vezes institutos e veículos escorregaram no esclarecimento ou na interpretação dos dados, como se deu na “pane analítica” verificada imediatamente após o primeiro turno. Portanto, há necessidade de uma didática incessante sobre como elas são feitas, e sobretudo como devem ser lidas. Os institutos têm promovido junto aos jornalistas uma boa reflexão sobre os diferentes métodos de coleta e as principais características amostrais. É hora de focar com igual ênfase a formatação e a redação das questões. E de explicar como isso impacta potencialmente nos resultados. Ajudaremos muito se sempre anexarmos os questionários aos relatórios divulgados ou pelo menos incluirmos as perguntas no rodapé de gráficos e tabelas.

Todos temos algo a melhorar na nossa comunicação com a imprensa para auxiliá-la a apresentar à sociedade as informações provenientes das pesquisas de forma cada vez mais fidedigna. Afinal, conhecer a opinião pública, em especial no que concerne aos mandatários, é essencial para a democracia representativa. Insubstituível para governantes, políticos em geral e sobretudo para a própria cidadania. Para que ela possa se conhecer por inteiro, ver-se completa no espelho, especialmente nessa época em que seu olhar cotidiano está enclausurado em bolhas virtuais.

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¹ O Globo, “Folha de S.Paulo”, “O Estado de S.Paulo”, Valor e “Correio Braziliense”.

² Ipec, Ipespe, Datafolha e Quaest.³ Na pesquisa Ipespe de abril, 45% dos que avaliam o governo Lula como “Regular” o “Aprovam”; 32%, “Desaprovam”; e 23% não responderam.

Os pagadores de promessas

Boa avaliação de governantes reflete fidelidade a compromissos eleitorais

Imagem de Cláudia Liz para a Folha de S.Paulo
Imagem de Cláudia Liz para a Folha de S. Paulo

Todo governante, seja ele presidente, governador ou prefeito, tem como “core” da avaliação do mandato a percepção pela opinião pública do seu empenho no cumprimento das principais propostas apresentadas na campanha eleitoral. Uma primeira impressão disso é fotografada nos 100 dias de gestão. Mas por que não 60, 90 ou 120 dias?

Franklin Delano Roosevelt inventou essa marca. Seus 100 dias se deram em 12 de junho de 1933, mas foi somente em 25 de julho que chamaria atenção para “os primeiros 100 dias que foram devotados a pôr em movimento as rodas do New Deal”. Ele se referia à avalanche de leis aprovadas no Congresso dos Estados Unidos em ritmo vertiginoso, algumas tramitando em um único dia na Câmara e no Senado. Todas voltadas à promessa síntese que o levara à Presidência: vencer a Grande Depressão que se arrastava desde 1929. A largada do seu governo correspondeu à expectativa dos americanos. E esse marco temporal virou referência obrigatória para qualquer governante mundo afora.

Pesquisas de diferentes institutos mostraram que os eleitos no pleito passado apareceram bem na foto deste momento. Lembrando que, se formos comparar a avaliação ou a aprovação de governantes (que a rigor são coisas distintas, medidas por perguntas diferentes) com os resultados eleitorais obtidos antes pelos mesmos, devemos usar os percentuais relativos ao total do universo (eleitorado). Os dados das urnas precisam dizer respeito ao total do eleitorado, não aos votos válidos anunciados pelo TSE na apuração.

Lula teve 38% de ótimo/bom no Datafolha, parecidos com os 39% apontados pelo Ipec, que lhe deu ainda 53% de aprovação. O Datafolha não faz essa pergunta, mas indagou sobre o restante do mandato e colheu número próximo, um ótimo/bom de 50%.

Quanto o presidente obtivera no segundo turno? 38,6% do total, contra 37,2% de Bolsonaro. Comparadas as pesquisas de agora com as urnas, é óbvio que o desempenho de Lula foi bastante positivo. A que se deve isso? Seu governo pôs em marcha a maior parte dos compromissos repetidos na TV e nas redes durante a campanha: Bolsa Família de R$ 600 mais R$ 150 para as crianças de até 7 anos; salário mínimo com aumento real; Minha Casa, Minha Vida de volta; povos indígenas empoderados; combate ao garimpo ilegal; reinserção do país no cenário internacional. E a defesa da democracia, que ganharia relevo após o 8 de janeiro.

Os críticos cobram “novidades”, mas a tônica da campanha foi a reconstrução de programas que Jair Bolsonaro havia posto abaixo. E o conteúdo do “mandato” se situou na dimensão social “lato sensu”. Fica faltando a “picanha aos domingos”, metáfora para a melhora da economia. Roosevelt pôde festejar indícios de recuperação ainda em 1933. Mas seu desafio foi facilitado por uma maioria democrata de 60% na Câmara e de 65% no Senado.

Governadores que buscaram ser fiéis aos seus compromissos conquistaram resultados semelhantes. Vejamos dois exemplos de partidos diferentes. O governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), marcou 44% de ótimo/bom no Datafolha. Nada mal para quem obteve no segundo turno sobre o total do eleitorado 38,9% ante 31,5% de Fernando Haddad (PT). E comemorou um patamar de ruim/péssimo muito baixo (11%). Raquel Lyra, tucana pernambucana, primeira mulher a dirigir o estado, também cresceu.

Recebeu 63,1% de aprovação no Recife, conforme o Paraná Pesquisas. No segundo turno havia alcançado 52% na capital. Tarcísio, desde a composição da equipe, não poupou acenos à base que o elegeu, festejou as privatizações e se firmou como direita moderada e democrática. Raquel, por seu lado, não descurou em simbolizar insistentemente o compromisso de mudanças que a levou ao poder.

Houve, como sempre ocorre, toda sorte de problemas, tragédias e escorregões retóricos, além dos atropelos políticos. Mas essas dificuldades não se sobrepõem —na ótica do eleitor— à avaliação da ação efetiva dos governantes. Nos 100 dias, se ele percebe que os recém-vitoriosos estão se esforçando para pagar as promessas, dobra sua aposta, reiterando apoio nas pesquisas. E mesmo alguns dos que não votaram nos vitoriosos se somam ao otimismo.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 16/4 na página A3 – Tendências e Debates

Modelo viciado leva à Câmara 513 empreendedores individuais

Regra eleitoral obsoleta inviabiliza enraizamento dos partidos na sociedade e fragiliza democracia

Publicado no Caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 9/03/2023 às 10h

[RESUMO] Quando a democracia é alvo de ataques, além de defendê-la é necessário revigorá-la, afirma cientista político. Atual modelo de votação proporcional sem ordenamento da lista de candidatos, combinado com grandes distritos eleitorais (estados), incentiva a competição interna desenfreada, danifica a coesão partidária e inviabiliza o vínculo de eleitores e partidos. País deveria adotar o modelo de listas ordenadas, em que se vota nas siglas, como forma de partidarizar a sociedade.

Edmund Burke, o pai do conservadorismo, jamais poderia imaginar que o seu conceito de “livre representação” encontraria o paroxismo nos trópicos brasileiros.

Sessão de posse dos deputados eleitos para a próxima legislatura na Câmara dos Deputados, em fevereiro deste ano – Pedro Ladeira-1.fev.23/Folhapress

No “Discurso aos Eleitores de Bristol” (1774), declarou aos que o sufragaram ao Parlamento britânico que o exercício do seu mandato estaria desvinculado deles, e somente obedeceria aos desígnios que ele próprio identificasse, não aceitando espelhar a vontade dos representados.

Pesquisas mostram, quatriênio após quatriênio, o Congresso brasileiro como o pior avaliado entre os nossos três Poderes —o Senado com nota melhor que a Câmara—, mas são rarefeitas ou muito superficiais as discussões a respeito.

Cita-se com frequência entre os problemas o excessivo fracionamento das bancadas, mas se tangencia sua extensão e origem. A fragmentação real, na verdade, é muitas vezes maior que a medida pela distribuição das representações partidárias, na qual o país é recordista.

Isso porque cada parlamentar leva consigo a consciência de que obteve seu mandato em uma lógica fundamentalmente individualizada, pois a maioria absoluta das legendas inexiste na mente do eleitor.

O ditame da Constituição de 1988 ao configurar nossa democracia consagrou o papel dos partidos, vedando a possibilidade de candidaturas avulsas, reservando-lhes no conjunto o monopólio da representação da sociedade. Entretanto, hoje eles são quase todos hidropônicos, como aqueles vegetais cujas raízes sem solo ficam mergulhadas em líquidos nutrientes.

São, na prática, organizações legais-burocráticas, sem vínculos diretos com a população, que cartorialmente chancelam candidaturas, organizam bancadas e, a partir do tamanho destas, extraem parcelas do fundo partidário, do fundo eleitoral e as muito ambicionadas fatias de verbas do Executivo.

Neste último caso, vez por outra a expectativa se frustra, e o apoio prometido sobe no telhado. Em que país do mundo um governo entrante anunciaria pela manhã que uma legenda ocuparia três pastas do seu ministério para, à tarde do mesmo dia, o líder parlamentar afirmar que ele e os colegas votariam de modo independente? E como é que se naturaliza algo assim?

No momento em que boa parte do país se mobiliza para coibir ataques à institucionalidade democrática, é imperioso reconhecer que, além de defendê-la, será imprescindível fortalecê-la, pois é exatamente a fragilidade que oportuniza o proselitismo e a sanha dos seus inimigos.

E isso convoca a participação de todos —políticos, sociedade civil e meios de comunicação— para revigorá-la. Há vários fatores que explicam as patologias do nosso sistema político, mas um deles tem um papel central nessa etiologia: o modelo de lista proporcional “desordenada” que o Brasil pratica de forma absolutamente singular nos seus detalhes, como mostraram Lavareda (1991), Giusti (1994), Nicolau (2017) e Costa Porto (2022), e que é nefasto por pelo menos cinco motivos.

1) Ele gera nos três níveis da federação contextos de seleção darwiniana. Disputas renhidas com um copioso número de concorrentes, o que, por si só, eleva às alturas o custo das mesmas. O triunfo é reservado em muitos casos aos campeões do “extrativismo”, sejam eles de esquerda, centro ou direita.

Por essa designação, entenda-se a capacidade de obter o máximo possível de recursos provenientes de emendas —no caso dos incumbentes, que beneficiarão prefeitosque os retribuirão com votos—, de doadores, do apoio de entidades, de organizações variadas, ou mesmo da fortuna familiar.

Ao final da jornada, temos na Câmara Federal, rigorosamente, 513 empreendedores individuais. De pouco adianta a ação afirmativa. Mulheres tiveram direito a 30% do fundo eleitoral. Pouco afeitas à briga de cotoveladas dessa competição, só elegeram 18% das vagas.

O extrativismo mencionado é, a princípio, legal, mas nem sempre, como a imprensa já cansou de registrar. Por conta disso, circulam rumores de campanhas orçadas ano passado em valores estratosféricos —mais de R$ 10 milhões, de R$ 20 milhões, e até mais de R$ 50 milhões. Algumas exitosas, outras não. O certo é que, embora haja também uma parcela expressiva de recursos públicos envolvidos, é impossível a Justiça Eleitoral fiscalizar a contento 28.274 contas.

Não pode ser saudável um modelo que, pelo seu custo, induz à busca desenfreada de recursos, e que não resistiria a um exame com lupa da contabilidade dos concorrentes. Por quanto tempo a política continuará a bailar na beira desse abismo?

2) O sistema alveja no cerne a coesão partidária, ao transpor para o interior de cada legenda o grau máximo de competição. O principal adversário do candidato não é um antagonista de outra agremiação, mas o seu colega de partido que pode ocupar o lugar que lhe caberia em função do número de cadeiras que supostamente será alcançado pela sigla.

A partir daí, o “vale tudo” se estabelece, e a linha da cintura é ignorada. A crônica política fornece exemplos à mão cheia de episódios de antropofagia entre correligionários.

3) Promove uma exacerbada personalização da representação. Apenas 15 dias após a votação do primeiro turno em 2022, pesquisa Ipespe/Abrapel apontou que 50% dos entrevistados não lembravam o nome do partido dos candidatos em quem tinham votado para a Câmara Federal e assembleias estaduais. A pesquisa não checou se os demais lembravam corretamente das siglas. Provavelmente parte significativa não cumpriria esse requisito.

Outras pesquisas acadêmicas, como a do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro), em outros anos registraram que, 45 dias após a eleição, só um terço dos entrevistados era capaz de citar o nome do candidato proporcional em quem havia votado.

Imaginem as respostas que obteremos se repetidas as duas perguntas um ano ou dois anos após a eleição. Escolhas “desimportantes” geram rápido esquecimento. E a desconexão entre candidatos e partidos não é inócua. Sem essa “amarra” o parlamentar pode flutuar, trocando de aquário a cada “janela”, ou contribuir para fundir agremiações ou o que lhe for conveniente, autonomizado pela invisibilidade da marca partidária.

4) O modelo deturpa papéis básicos dos partidos na democracia. O papel de agregação e articulação de interesses sociais é substituído pela justaposição das agendas de empreendedores individuais. Perde-se a função de âncoras políticas estabilizadoras do regime, porque sem conexão social não podem estruturar e orientar fatias da opinião pública, organizando a informação política relevante. E muito menos podem ajudar o cidadão a avaliar de forma sinóptica os candidatos ou questões em tela.

A propaganda eleitoral dos cargos legislativos é quase sempre mero pastiche biográfico. Por isso, quando vista, não raro é recepcionada com risos e deboche.

Vítima das listas desordenadas disponibilizadas pelos cartórios partidários, o eleitor paulista, por exemplo, no ano que passou teve que escolher, de última hora como quase todos fazemos, um nome para deputado federal entre 1.540 candidatos, e mais um entre os 2.059 que buscavam a deputação estadual.

Há o mínimo de racionalidade nisso? Parte significativa dos eleitos necessitará depois buscar um símbolo, uma marca, que auxilie sua identificação nessa autêntica selva na próxima competição.

O caminho mais rápido será patrocinarem ou se somarem a iniciativas populistas esdrúxulas, exequíveis ou não, que chamem atenção e lhes credenciem individualmente aos olhos dos eleitores desorientados. Essa pseudo solução individual só contribui para deslegitimar a instituição. Quem tiver dúvidas, examine a relação de projetos em tramitação.

5) E, por fim, e ainda mais delicado, a governabilidade fica à mercê da capacidade de “sedução” dos governos e dos presidentes das casas ao nível individual. Para as questões correntes os representantes ainda podem ser disciplinados pelos líderes partidários com a ajuda do regimento.

No entanto, quando se tratam dos grandes temas, em especial dos que exigem PECs, a tal disciplina se esvai e tudo passa a depender de “incentivos laterais seletivos”. Deles, todos lembramos a problemática tipologia utilizada na Nova República, as emendas do “orçamento secreto” sendo a versão mais recente sob investigação.

Por óbvio, não há modelos de representação ideais, mas quando se cogitam mudanças a única bússola razoável é identificar qual regra, além de mais factível, ajudaria rapidamente a enfrentar a maior patologia do sistema —no nosso caso, a hiper personalização dos mandatos parlamentares, causa e consequência da inviabilização dos laços de representação dos partidos na sociedade. E, como decorrência, da opacidade de parte considerável do jogo político que se dá longe dos olhos da população.

O caminho plausível é o da adoção do sistema proporcional de listas ordenadas, adotado em países culturalmente parecidos com o nosso, como Portugal, Espanha, Argentina e Uruguai.

Ele não contradiz a Constituição, não requerendo PEC. Pode ser viabilizado por lei ordinária, simples, sem muitas firulas, deixando que ao longo do tempo os próprios partidos optem pelo modo de aprovação das respectivas listas, apenas assegurando aos atuais detentores de mandato uma posição destacada no ordenamento.

Alguém dirá que essa proposta foi rejeitada em momentos anteriores, mas isso não serve como argumento dissuasório. Por acaso lá atrás havia clareza de que a democracia estava em perigo? De que era preciso reforçar, concretar, os pilares da representação?

Com a mudança, em um ou no máximo dois ciclos eleitorais, teríamos um choque de partidarização, com as legendas enraizadas no tecido social, correntes de opinião finalmente bem assentadas e a óbvia consequência de diminuição do número de legendas, retirando-nos da triste liderança mundial de fragmentação parlamentar.

Além dos benefícios gerais para o sistema político, o que inclui campanhas 80% mais baratas, para a maioria dos segmentos específicos não haveria qualquer prejuízo, ao contrário.

A esquerda, que por circunstâncias históricas conta com alguma identificação partidária, poderia se rejuvenescer, entronizando novos quadros que individualmente não conseguem encarar a forte correnteza do modelo atual.

A direita bolsonarista se beneficiaria pela capacidade de propelir ideologicamente listas ordenadas. Os evangélicos descarregariam seus votos e consolidariam listas que a hierarquia das igrejas apontasse.

Os partidos históricos de centro —MDB, PSDB, Cidadania— teriam finalmente capacidade de utilizar o recall e a marca que ainda detêm para reconquistar bancadas que foram esvaziadas em disputas personalizadas.

Quanto ao novo centro (PSD) e a direita liberal (União Brasil, Progressistas e outros) teriam a seu favor, inicialmente, a popularidade dos muitos governadores, senadores e prefeitos para turbinar as respectivas legendas.

Na lógica desse modelo, além de os partidos se esforçarem para evitar o risco de “maçãs podres”, todas as listas se veriam compelidas utilitariamente a apresentar programas e mensagens claras com os quais estariam naturalmente comprometidos seus integrantes.

Assim, os eleitores saberiam, por exemplo, se a bancada na qual votarão apoiará ou se oporá aos candidatos a governo nas três esferas. Depois, ficaria muito mais fácil acompanhar minimamente o seu desempenho durante a legislatura.

Essa transparência permitiria punir ou gratificar a legenda na próxima eleição. Seria bom para todos, ou quase todos. Os únicos prejudicados seriam os poucos políticos eventualmente dependentes da opacidade do sistema atual.E que, por isso, arrumam todo tipo de desculpas para se opor à ideia. Embora sabendo que, sem essa necessária partidarização da sociedade, a democracia brasileira seguirá politicamente invertebrada, mais suscetível que outras a vergar sob a demagogia e a violência dos seus inimigos.

Pesquisa RADAR Febraban – fev/2023

Maioria dos brasileiros (73%) acredita que vida pessoal vai melhorar em 2023

Já em relação ao país, pesquisa aponta percentual menor: 53% acham que vai melhorar, enquanto 43% acreditam que vai ficar igual ou piorar

O brasileiro iniciou 2023 otimista com a vida pessoal, mas cauteloso com o país. A rodada de fevereiro da pesquisa RADAR Febraban, Pesquisa Febraban-Ipespe, mostra que ampla maioria da população (73% dos entrevistados) acredita que a vida vai melhorar em seus aspectos pessoal e familiar, o que praticamente repete  o resultado de dezembro passado. Em relação ao país, o otimismo atinge 53% dos entrevistados, que acreditam que o Brasil vai melhorar esse ano, resultado estável em relação ao último levantamento, que registrou 55% desse sentimento. Para 43% ficará igual ou pior.

Por outro lado, a pesquisa registra perspectivas positivas diante do novo governo. Olhando para o futuro próximo, 49% dos brasileiros acreditam que a gestão do presidente Luis Inácio Lula da Silva será ótima ou boa no restante de 2023 – o que representa um aumento de quatro pontos em relação a dezembro (46%). 

Já sobre o sentimento da população em relação ao governo federal no início do novo mandato, 4 em cada 10 brasileiros (40%) o avaliam como ótimo ou bom. Na outra ponta, 28% classificam o governo como ruim ou péssimo e outros 27% fazem uma avaliação regular das primeiras semanas da nova administração.

A pesquisa foi realizada entre os dias 4 e 14 de fevereiro, com 2 mil pessoas nas cinco regiões do País. Esta edição do RADAR Febraban mapeia as expectativas iniciais dos brasileiros sobre este ano, tanto em relação à vida pessoal, quanto em relação à política e à economia do país. Ela também consta uma versão regional, com as opiniões de cada uma das cinco Regiões brasileiras.

“Primeira realizada após a posse do novo governo, esta onda do RADAR acontece em meio aos desdobramentos do 08 de janeiro, aos debates acerca da política fiscal e monetária e às perspectivas quanto à retomada do crescimento econômico, da geração de empregos e expectativas de arrefecimento da inflação”, diz o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

Com relação ao dinheiro que sobra no orçamento, 38% pretendem investir na compra de imóvel, consolidando a tendência verificada desde setembro de 2021. Em segundo lugar, aparece a aplicação em outros investimentos bancários fora a poupança (20%). Empatadas em terceiro lugar, com 19% das menções, surgem a poupança e a reforma da casa. 

Seguem os principais resultados do levantamento: 

AVALIAÇÃO DO GOVERNO

Capturando o sentimento da população em relação ao Governo Lula no início do novo mandato, os resultados do RADAR indicam que 4 em cada 10 brasileiros (40%) o avaliam como ótimo ou bom. Na outra ponta, 28%classificam o Governo como ruim ou péssimo. Outros 27% fazem uma avaliação regular. 

Nas opiniões sobre o Governo, 51% aprovam e 36% desaprovam; 13% não deram resposta. 

Olhando para o futuro próximo, 49% dos brasileiros acreditam que o Governo Lula será ótimo ou bom no restante de 2023 – aumento de 4 pontos em relação a dezembro (46%). Um quarto (25%) crê que será ruim ou péssimo, o que representa recuo de 6 pontos comparativamente à onda anterior (31%). E 21% opinam que será regular (5 pontos a mais que em dezembro, quando eram 16%). 

ÁREAS QUE MERECEM MAIOR ATENÇÃO

Quais áreas o Governo Federal deveria dar mais atenção neste ano. 

  • Saúde: 23%
  • Emprego e Renda: 20%,
  • Educação: 18%, 
  • Fome/Miséria: 11%
  • Inflação e Custo de Vida: 10%.

As demais alternativas receberam menos de 10% das menções. No levantamento anterior, a área de Educação ocupava o primeiro lugar, a área de Saúde obteve aumento de 6 pontos percentuais, enquanto Emprego e Renda obtiveram aumento de 5 pontos nas menções. 

EXPECTATIVAS PARA 2023

Mais de 70% dos brasileiros acreditam que esse ano sua vida irá melhorar. De modo geral, os resultados trazem um cenário de relativa estabilidade, com discreta tendência de queda em alguns indicadores, comparativamente a dezembro de 2022. 

Sobre a perspectiva pessoal e familiar, 73% dos brasileiros acreditam que a vida vai melhorar em 2023, apresentando variação de 1 ponto percentual em relação a dezembro do ano passado (74%). Tal otimismo fica acima de 60% em todos os recortes sociodemográficos, sendo mais alto entre as mulheres (80%), entre os jovens de 18 a 24 anos (80%) e entre aqueles que possuem até o fundamental ou renda até 2 SM (75% em ambos os casos). No total da amostra, parcela minoritária (10%) acredita que a vida vai piorar; e outros 14% acham que ficará igual. 

Em relação ao país, 53% acreditam que o Brasil vai melhorar esse ano, com oscilação de 2 pontos em relação a dezembro (55%). 

SITUAÇÂO ECONÔMICA

A maioria opina que sua situação financeira já se recuperou ou irá se recuperar em 2023, mas quase metade acredita que a economia só irá se recuperar a partir do próximo ano. 

  • 38% dos respondentes apostam numa recuperação em 2023 
  • 19% opinam que essa recuperação já aconteceu 
  • 25% mostram-se menos entusiasmados, vislumbrando essa recuperação somente a partir do ano que vem. 
  • 5% não avistam perspectivas de recuperação
  • 9% mais otimistas opinam que a vida financeira sequer foi afetada. 

Quando o assunto é a economia nacional:

  • 47% acreditam que a recuperação só acontecerá a partir do ano que vem
  • 26% acreditam que a economia irá se recuperar esse ano
  • 10% opinam que a economia já se recuperou
  • 10% não veem perspectivas de recuperação

Retomada do crescimento

  • 35% apostam na retomada do crescimento do país em 2023
  • 33% creem que o país só voltará a crescer depois do próximo ano 
  • 18% acreditam que o país já voltou a crescer
  • 8% não veem perspectivas de recuperação do país

 As expectativas sobre os diversos aspectos econômicos para os próximos seis meses mantiveram-se estáveis

  • Diminuição do desemprego: em tendência crescente desde a onda de junho de 2022 (quando registrou 29%), oscilou de 39% em dezembro para 40% agora, registrando maior percentual da série histórica. 
  • Aumento de acesso ao crédito: também crescente desde junho de 2022 (37%), variou 1 ponto em relação a dezembro (de 40% para 39%). 
  • Aumento do poder de compra: registrou maior percentual da série histórica em dezembro (36%), diminuindo agora para 35%. 
  • Diminuição da taxa de juros: registrou maior percentual da série histórica em dezembro (25%), caindo agora para 21%. Mais da metade da população (51%) acha que os juros vão aumentar. 
  • Diminuição da inflação e do custo de vida: registrou maior percentual da série histórica em dezembro (29%), recuando agora para 26%. Quase metade (47%) acha a inflação e custo de vida irão aumentar. 
  • Salário-Mínimo:46% acham que vai aumentar e 43% que não haverá alterações
  • Acesso ao Bolsa Família37% avaliam que irá crescer e 33% que não haverá alterações
  • Impostos: 57% esperam aumentos

PERCEPÇÃO DA INFLAÇÃO

Especificamente sobre a questão da inflação e preço dos produtos, a percepção de aumento (aumentou muito + aumentou), que atingiu seu percentual máximo em junho de 2022 (93%), caiu para 79% em dezembro e registra agora 64%.

Onde há maior impacto da inflação?

  • consumo de alimentos e outros produtos do abastecimento doméstico (76%)
  • preço dos combustíveis (30%); 
  • pagamento de serviços de saúde e remédios (22%);
  • juros do cartão de crédito, financiamentos e empréstimos (10%).

ENDIVIDAMENTO PESSOAL

Mais da metade dos brasileiros (53%) possui alguma dívida, sendo que 56% são mulheres59% na faixa de 25 a 44 anos58% entre os que possuem fundamental; e 57% entre os que têm renda até 2 SM

A maioria (53%) dos que possuem dívidas acredita que em 2023 estará menos endividada que em 2022, enquanto somente 15% responderam que estariam mais endividados esse ano que no ano passado.

A disposição para participar de algum programa de refinanciamento chega a 67%.

CONSUMO

Numa possível melhora da situação financeira, quais seriam as opções dos brasileiros para usar eventuais sobras no orçamento?

  • Compra de imóvel (38%)
  • Aplicação em outros investimentos bancários fora a poupança (20%)
  • Aplicação na poupança (19%)
  • Reforma da Casa (19%)
  • Cursos e educação pessoal e da família (14%)
  • Viagens (11%)
  • Compre de carro (10%)

IMAGEM DOS BANCOS

Permanece expressivo o reconhecimento da contribuição positiva dos bancos para as pessoas e para o país. Constituem maioria os entrevistados que confiam nos bancos (59%), nas fintechs (57%) e nas empresas privadas (51%).

Quanto ao reconhecimento da contribuição positiva dos bancos: 

• Para o desenvolvimento da economia brasileira56% consideram que os bancos contribuem positivamente 

• Para a geração de empregos no Brasil51% consideram que os bancos contribuem positivamente 

• Para a melhoria da qualidade de vida das pessoas: 49% consideram que os bancos contribuem positivamente

• No enfrentamento à crise do coronavírus48% consideram que os bancos contribuem positivamente,

• Para os negócios e atividades profissionais47% consideram que os bancos contribuem positivamente, 

Mais uma vez, mantém-se em patamar bastante elevado o nível de satisfação da população bancarizada com os serviços prestados pelos bancos: 73% dizem-se satisfeitos ou muito satisfeitos, maior percentual desde o início da série histórica. O nível de satisfação é ainda mais elevado quanto ao atendimento online79% declaram-se satisfeitos ou muito satisfeitos.

GOLPES E TENTATIVAS DE GOLPES

Cerca de um terço dos brasileiros já foram vítimas de golpes ou tentativas de golpes. Segue estável a proporção de brasileiros que relatam ter sido vítimas de golpes ou tentativas de golpes (31%, contra 30% em dezembro). 

golpe de clonagem ou troca de cartões continua sendo o mais frequente: 48%. Já a situação em que alguém se faz passar por um conhecido solicitando dinheiro por WhatsApp tem 26% das menções. 

O terceiro golpe mais citado é o da central falsa em que alguém pede seus dados por telefone: 25%

Outros tipos de golpes tiveram menos de 10% das menções em todos os segmentos. 

A maioria dos entrevistados (56%) afirma ter recebido algum material de comunicação de seu banco ou de outra entidade alertando contra esses tipos de crimes. É quase unânime entre os receberam esse tipo de material a percepção de sua importância para a prevenção ou para a atitude da vítima diante da ocorrência (94%).

Leniência militar em 8 de janeiro lembra levante integralista de 1938

Há 85 anos, Palácio da Guanabara estava desguarnecido na hora do ataque e forças de segurança demoraram a chegar

Antonio Lavareda – Doutor em ciência política e professor colaborador da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) – Artigo publicado na Folha de S. Paulo, Caderno Ilustríssima, página C7 em 29 de janeiro de 2023.

[RESUMO] O Brasil sofreu 13 investidas golpistas desde a Independência, entre as quais o ataque aos três Poderes no último dia 8. A ação dos bolsonaristas guarda semelhanças com o levante da AIB (Ação Integralista Brasileira) em 1938. Nesses episódios, os golpistas encontraram a residência e a sede da Presidência desguarnecidas, as forças de segurança demoraram a chegar e houve omissão de setores do Exército. Resta saber se o futuro da nova extrema direita será melhor que o do fascismo tropicalizado dos anos 1930, que entrou em declínio após a Segunda Guerra.

Alguns fenômenos políticos, sobretudo quando inusuais e estrepitosos, ao ocorrerem tornam irresistíveis os exercícios comparativos. É quando a leitura dos fatos os coloca em perspectiva, permitindo identificar singularidades, de um lado, e constantes históricas, de outro.

O 8 de Janeiro, que despertou estupor no mundo, por certo demandará um olhar assim quando as investigações descortinarem toda a sua tessitura, incluindo, além dos vândalos, a autoria intelectual e os apoiadores explícitos e ocultos e esclarecendo como se dava a relação entre os quartéis e os acampados à sua frente.

Nós não temos, que eu saiba, um estudo comparativo suficientemente amplo desses processos de tomada violenta do poder na América Latina, embora o continente seja pródigo deles. Nem mesmo das revoluções havidas —do que, aliás, já reclamava Joaquim Nabuco (1849-1910) em sua releitura do fim trágico do presidente chileno José Manuel Balmaceda— e muito menos no Brasil, onde, desde a Independência, tivemos 13 golpes de Estado, exitosos ou não.

Eles se distinguem dos movimentos separatistas, como a Confederação do Equador (1824) ou a Guerra dos Farrapos (1835-1845). Diferem também de outros conflitos como a Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932) e mais ainda dos movimentos revoltosos tenentistas, incluída a Coluna Prestes (1924).

Golpes ou autogolpes implicam o assalto direto aos Poderes e objetivam a ruptura constitucional. Foram de iniciativa palaciana os de 1823 (dissolução da Assembleia Constituinte), 1840 (Golpe da Maioridade), 1891 (Deodoro fecha o Congresso) e 1937 (Estado Novo). O de Marechal Deodoro durou apenas 20 dias.

Todos os demais tiveram como objetivo a destituição ou o impedimento dos então chefes de Estado. Começando pela implantação da República (1889), depois pela Revolução de 1930, que culminou com o golpe militar que depôs Washington Luiz, pela Intentona Comunista (1935), pelo Levante integralista de 1938, pela deposição de Vargas (1945), pelo chamado contragolpe legalista do marechal Lott (1955), pela adoção forçada do parlamentarismo (1961), pelo golpe militar de 1964, que inaugurou a Quinta República, e pelo assalto às sedes dos três Poderes em janeiro de 2023. Golpes e autogolpes vitoriosos foram 70% deles.

Houve movimentos com menor ou maior participação popular, mas a constante irrefutável é a participação de “cidadãos armados”, os militares. Nunca foi minimamente plausível subverter o regime sem a sua participação, e o tamanho da adesão dos mesmos sempre foi a principal variável explicativa do êxito ou do fracasso dessas iniciativas.

A breve compilação acima dos eventos anteriores de igual natureza nos permite identificar um único episódio que guarda alguma similaridade com o golpe frustrado do início deste ano: o putsch da AIB (Ação Integralista Brasileira), o fascismo tropicalizado, em 11 de maio de 1938, uma semana após o fechamento da entidade pelo governo Vargas.

Os que atacaram, 85 anos atrás, o Palácio Guanabara, residência presidencial à época, também o encontraram desguarnecido, tal como se deu em Brasília nos prédios do Planalto, Congresso e Supremo, quando horas foram decorridas até que os responsáveis pela segurança enfrentassem os invasores.

Como lembra Lira Neto, no golpe integralista eram poucas dezenas de atiradores, mas não se via inicialmente qualquer mobilização dos milhares de militares acantonados no Rio de Janeiro para sufocar o levante, que era enfrentado na madrugada pelos funcionários do Palácio, alguns militares leais ao presidente e por Vargas e seus familiares empunhando armas.

O tenente Júlio Barbosa, oficial do dia, facilitou a entrada, por um portão lateral, dos invasores chefiados pelo também tenente Severo Fournier. Ele também restringiu propositalmente a munição da tropa incumbida da guarda, que terminou se rendendo aos golpistas.

Mesmo comunicada, a polícia demoraria horas para enviar reforços e foram visíveis as omissões de setores do Exército e da Marinha, cujo prédio também foi ocupado. Os atacantes só foram rechaçados após a chegada decisiva do general Dutra, então ministro da Guerra, cuja presença sinalizou o apoio da cúpula das Forças Armadas ao presidente. A lógica da operação estava desfeita.

O objetivo era eliminar fisicamente o presidente e, no vácuo político, abrir caminho para os militares, entre os quais havia um sem número de simpatizantes do integralismo, tomarem o poder. Suspeitos de envolvimento ou simpatia foram, entre outros, o almirante Guilhem, o general Góis Monteiro, admirador confesso de Hitler, e Filinto Müller, o chefe de polícia famoso pela repressão sanguinária. Mas Vargas, ditador dependente dos aliados militares, não quis esclarecer a participação deles. Anos depois seria deposto por Góis.

Quanto à autoria intelectual, esse papel coube a Plínio Salgado, depois preso e exilado em Portugal. Líder do movimento que chegou a contar com 1,5 milhão de adeptos por todo o Brasil, ele se sentiu traído por Getúlio, que mandara fechar as sedes da AIB, colocando-a na ilegalidade, após ter contado com seu apoio no combate aos comunistas e na criação do Estado Novo. Ou seja, o golpe de 1938 foi urdido por um movimento político, o integralismo, com apoio na sociedade civil e ramificações incontroversas nas Forças Armadas e na polícia do Rio de Janeiro.

A lógica da tentativa de golpe de 2023, mesmo sem tiroteios como seu congênere da Terceira República, foi basicamente a mesma. Visava surpreender e desarticular o sistema político, promovendo um cenário caótico nas sedes dos três Poderes, o qual, transmitido pelas redes sociais e repercutindo nas TVs, obrigaria, no entendimento dos seus idealizadores, a “intervenção militar” reclamada desde a vitória do novo presidente pelos acampamentos à frente dos quartéis, com milhares de radicais que imaginavam ter suas teses acolhidas, interpretando dessa forma a leniência dos chefes militares que admitiram essas concentrações, não o bastante suas faixas e redes sociais afrontarem a Constituição.

Lembrando que a ideia de intervenção no TSE, no último mês do mandato de Bolsonaro, na prática um autogolpe como a famosa minuta do decreto evidenciou, provavelmente foi descartada por insuficiência de adesão das altas patentes.

Os participantes de agora foram extraídos de um movimento antissistema de extrema direita que, ao invadir e destruir os prédios que simbolizam a República, removeram as últimas dúvidas sobre o caráter regressivo de sua liderança, movida pela nostalgia do regime militar de 1964.

O bolsonarismo, no segundo turno do ano passado, aproximou-se da metade da votação presidencial válida, e o partido que o abrigou (PL) logrou eleger a maior bancada da Câmara Federal. Tal como a antiga AIB, tem conexões internacionais —é o capítulo local da nova direita mundial— e se mostrou bem mais enraizado que seu predecessor da primeira metade do século 20.

Em expansão no mundo, o futuro dessa vertente não parece comprometido, como se deu com as ideias fascistas que, após empolgarem porções significativas do Ocidente, entraram em derrocada juntamente com o Eixo na Segunda Guerra. Nadando nessa raia, o integralismo brasileiro declinaria durante o conflito e nunca se recuperou da mancha de 1938. Quando sobreveio a redemocratização, tampouco conseguiria reaver a força original.

Ao disputar finalmente a Presidência, em 1955, Plínio Salgado só alcançou 8,3% dos votos. Somente na região Sul chegou aos dois dígitos (14,2%). Em toda a República do Pós-Guerra, a direita seria representada pela UDN, que terminaria encapsulando o populista Jânio Quadros para finalmente ganhar a eleição de 1960. Plínio continuaria sua caminhada com horizonte mais modesto. Seria deputado por São Paulo, apoiador do golpe militar de 1964 e depois vice-líder da Arena na Câmara dos Deputados.

Não é fácil divisar o futuro do bolsonarismo. Vai depender do aprofundamento das investigações e da eventual responsabilização e inelegibilidade de Bolsonaro, sobre o qual pesam suspeitas de participação no possível autogolpe de dezembro e no golpe de janeiro. Também dependerá do posicionamento que seus líderes —o ex-presidente e parlamentares— venham a adotar.

Para qualquer evento futuro, sempre haverá no mínimo duas rotas possíveis para os personagens, como Churchill nos mostrou escrevendo o perfil de Hitler em 1935.

Prevalecerá a retórica antissistema, baseada no mito da fraude nas urnas? Ou essa página será virada, como aliás já fizeram os governadores desse campo, e o enfrentamento se dará como oposição “normal”?

Na primeira hipótese, o movimento, uma vez inviabilizado legalmente o líder, apresentaria uma candidatura do clã. Perderia certamente densidade eleitoral, deixando de ser competidor efetivo pelo poder nacional.

Já na segunda opção, novos nomes disputariam o espólio bolsonarista, distanciando-se do fantasma do 8 de Janeiro, embora sempre equilibrando-se para contar com as bênçãos do ex-presidente e tentar, assim, manter a hegemonia à direita no espectro ideológico.