Leia a entrevista completa aqui:
As eleições de domingo evidenciam um grande ganhador e um grande perdedor. A vitória de João Doria em primeiro turno, um feito inédito na capital paulista, aumenta a força política do PSDB e do governador Geraldo Alckmin (SP), fiador da candidatura do empresário para a Prefeitura de São Paulo, a despeito da oposição de caciques tucanos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Aécio Neves (MG).
Na contabilidade das grandes perdas, entra a derrota do candidato petista à reeleição: Fernando Haddad obteve 16,7% dos votos válidos, um desempenho inferior em 25% à pior performance anterior do PT na capital paulista, que havia sido nas eleições municipais de 1985, quando Eduardo Suplicy teve 21% dos votos.
“O PT regride ao seu pior desempenho na capital paulista”, afirma o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe).
Com uma ampla aliança, que permitiu expandir o tempo de TV, e um discurso contra a política tradicional – “não sou político”, repetia -, Doria conquistou 53,3% dos votos válidos. A seu favor, contou com um antipetismo forte na cidade e um prefeito com alta rejeição, em um ambiente com escassez de recursos, pela limitação de doação empresarial para as eleições, e com menor tempo de campanha.
“Foi uma candidatura que mais que qualquer outra nas grandes cidades colocou o partido em sintonia com o sentimento de esgotamento da política tradicional da população”, diz Lavareda.
As vitórias conquistadas em 2016 pavimentam um caminho mais confortável para seus ganhadores, mas não há nada garantido. Lavareda evita dizer que o presidente do PSDB, Aécio Neves, tenha ficado em desvantagem diante da vitória expressiva do afilhado de Alckmin – assim como o senador mineiro, um potencial candidato tucano à Presidência em 2018.
A ida para o segundo turno de João Leite, apoiado por Aécio à Prefeitura de Belo Horizonte, é uma conquista de peso menor na comparação com a histórica vitória de Doria. “Provavelmente o partido e seus aliados vão saber fazer a leitura do significado político dessa vitória [de Doria]”, afirma Lavareda.
Já o chanceler José Serra, outro presidenciável tucano, na visão de Lavareda, não apostou seu destino nas eleições municipais. Seu futuro político depende mais do sucesso do governo Temer.
No Rio, a ida de Marcelo Freixo (Psol) para o segundo turno, em confronto com Marcelo Crivella (PRB), reproduz a polarização do ambiente nacional, mas seus frutos são incertos.
“O segundo turno, em geral, tem teor político maior do que no primeiro. Como isso vai funcionar na campanha vai depender do funcionamento dos candidatos”, diz Lavareda. Em virtude da ascensão de Freixo e da queda de Crivella, o candidato do Psol começa o segundo turno como favorito, avalia o cientista político.
O PMDB do presidente Michel Temer não levou seus candidatos a segundo turno nas três principais capitais, São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Para a capital paulista, Temer havia apoiado a candidatura de Marta Suplicy, mas não chegou a se envolver na campanha. “Não tem como o presidente ser arranhado pelo insucesso da candidata”, diz Lavareda.
Desgastado pela Operação Lava-Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff, o PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve o número de prefeituras comandadas por ele reduzido a menos da metade do que havia obtido em 2012. Nas capitais, venceu apenas em Rio Branco. Mas o partido permanece importante. “Vai continuar sendo o protagonista da esquerda”, diz.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que Lavareda concedeu ao Valor, em que fala dos erros de pesquisas de opinião, da reforma política e da hiperfragmentação dos partidos.
Valor: O candidato João Doria, que teve como fiador o governador Geraldo Alckmin, conseguiu um feito inédito: a vitória já em primeiro turno em São Paulo. Qual é o significado dessa conquista e quais são suas implicações para o PSDB e para o PT?
Antonio Lavareda: É o principal fato das eleições municipais deste ano. Não há o que se equipare em relevância. De um lado mostra uma força impressiva do partido na capital econômica do país. De outro lado, o malogro do PT, que teve um candidato com desempenho inferior em 25% ao pior desempenho anterior do partido, que havia sido nas eleições municipais de 1985, quando o candidato a prefeito Eduardo Suplicy teve 21% dos votos naquela eleição. O PT regride ao seu pior desempenho na capital paulista.
Valor: Ao que o senhor atribui a vitória de João Doria?
Lavareda: Foi uma candidatura que mais que qualquer outra nas grandes cidades colocou o partido em sintonia com o sentimento de esgotamento da política tradicional da população. Há o fato de o PSDB de São Paulo ter feito prévias para definir a escolha do candidato. Não foi um dedaço, foi um processo legitimado por prévias. Constituiu-se a mais ampla aliança realizada para uma eleição municipal na cidade, o que foi fundamental para o tempo de televisão. Esse candidato é um gestor, um administrador, mas também tem passagem por gestões públicas. Tem no DNA a política, é filho de um deputado federal cassado.
Valor: Mas João Doria negou a política em seu discurso de campanha.
Lavareda: A forma de dizer que não é político tradicional foi dizendo que não era político. Embora todos sejamos políticos em alguma medida. “O PT vai continuar sendo o protagonista da esquerda. Uma boa parcela de brasileiros se identifica com o partido”
Valor: No entorno da capital paulista, o PSDB também conquistou algumas prefeituras importantes. O PT chegou ao segundo turno apenas em Santo André e Mauá. Dos 28 municípios do Estado aptos a ter segundo turno, o PSDB ganhou nove prefeituras e está na dianteira em cinco. Isso pode fortalecer ainda mais Alckmin dentro do partido?
Lavareda: O desempenho em São Paulo e nas cidades no entorno aumentam o capital político do governador Alckmin, mas mais o simbolismo e o impacto da vitória de Doria.
Valor: O senhor acha que Aécio Neves fica em desvantagem na correlação de forças no PSDB para a candidatura do partido à Presidência, mesmo que, em Belo Horizonte, João Leite, candidato apoiado pelo senador, outro presidenciável tucano, tenha ido para o segundo turno?
Lavareda: Não é que o senador Aécio fique em desvantagem, mas trata-se de que o governador [Alckmin] ganha uma força adicional extremamente importante. Provavelmente o partido e seus aliados vão saber fazer a leitura do significado político dessa vitória. Para o partido, o significado da vitória de João Doria é bem maior do que o de uma [eventual] vitória de João Leite. O João Leite, se for eleito,
vai substituir um prefeito [Marcio Lacerda] que foi eleito [pelo PSB] em aliança com o PSDB. O João Doria vai substituir um prefeito petista [Fernando Haddad]. É a principal derrota do PT no país.
Valor: Como fica o capital político do chanceler José Serra com a vitória de Doria, apoiado por Alckmin, que também é um potencial adversário na disputa pela candidatura do PSDB à Presidência em 2018?
Lavareda: O ministro José Serra optou por ficar afastado da disputa política em São Paulo. Não foi um ator nessa disputa eleitoral. Ele não poderia sair beneficiado.
Valor: Mas a candidatura da senadora Marta Suplicy (PMDB) e de seu vice, Andrea Matarazzo (PSD), próximo do chanceler, foi vista por alguns analistas como mais conveniente para o futuro político de Serra no PSDB, considerando a vaga para disputar a Presidência…
Lavareda: Uma eventual candidatura do ministro José Serra está mais relacionada ao desempenho do governo Temer do que às eleições municipais em São Paulo. É outra corrida. O ministro José Serra optou por correr em outra faixa, que não se relaciona com a disputa eleitoral. O futuro vai dizer se foi uma boa ou má escolha dele correr nesta outra faixa.
Valor: O PT sofreu derrotas importantes nestas eleições. Como fica o seu futuro?
Lavareda: O PT vai continuar sendo o protagonista da esquerda. Tem enraizamento na sociedade e uma boa parcela de brasileiros se identifica com o partido. Lembrando que, hoje, mundo afora, com as mudanças culturais e sociais, é muito difícil essa identificação.
Valor: Qual é a sua leitura da disputa entre Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (Psol) no Rio?
Lavareda: Isso desestrutura o desenho político consolidado nos últimos ciclos eleitorais. A favor do Freixo, do ponto de vista eleitoral, há o fato de que chega ao segundo turno em uma rota de ascensão. Contra o Crivella, há o fato de chegar ao segundo turno em declínio. Isso promete um cruzamento das intenções de voto no segundo turno. Mas isso vai depender da campanha.
Valor: Em que medida o tempo igual de TV pode favorecer a candidatura do Psol?
Lavareda: Vai aumentar muito a exposição do Freixo. Mas o tempo de TV por si não garante o sucesso. Se for bem utilizado, vai ser uma candidatura muito competitiva. É óbvio que o segundo turno envolve articulações partidárias. O Freixo chega com grande potencial, chega com grande favoritismo. As primeiras pesquisas vão confirmar ou não.
Valor: O senhor acha que a polarização política nacional se reflete na disputa local entre Crivella e Freixo? Como essa questão da tese do “golpe” pode ser utilizada na campanha do segundo turno?
Lavareda: O segundo turno, em geral, tem teor político maior do que no primeiro. Como isso vai funcionar na campanha vai depender do funcionamento dos candidatos.
Valor: O senhor enxerga um futuro político para Haddad?
Lavareda: Sua experiência em políticas públicas, como ministro e prefeito, será um ativo importante para ajudar a orientar o que o partido mantém de administrações nos Estados e nos municípios. Seu horizonte eleitoral, hoje, ainda não se pode delinear. “Não consigo ver a possibilidade de PSDB e PMDB estarem separados em 2018. Vai depender das circunstâncias”
Valor: O senhor vê uma relação entre as eleições locais e as conexões com as questões nacionais, considerando a Operação Lava-Jato e o processo de impeachment de Dilma Rousseff? Ou o fator local ainda é preponderante na eleição municipal, como argumentam muitos cientistas políticos?
Lavareda: Pelo menos no primeiro turno, a campanha eleitoral não foi nacionalizada. Mas ela terá forte influência na política nacional. A eleição de prefeitos e a constituição de bancadas à Câmara Federal nas eleições tem uma notável correlação. É altíssima [a correlação] entre a distribuição dos partidos dos postos dos prefeitos entre os mais de 5 mil municípios e a distribuição das cadeiras na Câmara Federal pelos partidos. Sempre teve e é crescente essa associação.
Valor: Quem se der melhor nessas eleições municipais pavimenta um caminho mais favorável para 2018?
Lavareda: Para constituição de bancadas e para os blocos que virão a se constituir para candidatos presidenciais.
Valor: O PMDB não foi para o segundo turno no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte, as maiores capitais. É uma derrota para o partido?
Lavareda: O PMDB tem candidatos competitivos em cidades médias e de pequeno porte, mesmo em capitais. Em Goiânia tem o Íris Rezende; em Porto Alegre está com o [Sebastião] Melo. O PMDB pode recuperar espaço. Diria que o resultado dessa eleição pode apontar um crescimento do PSDB e do PMDB. Deve-se notar que os dois partidos constituíram um grande número de coligações. Provavelmente o maior número de coligações do PMDB foi com o PSDB. Isso reflete um pouco a parceria que os dois têm no governo federal e que, provavelmente, vai continuar daqui para frente. As eleições projetam uma continuidade. Na perspectiva de 2018, eu não consigo ver uma possibilidade de PSDB e PMDB estarem separados. Vai depender das circunstâncias que o país chegar em 2018.
Valor: Como o senhor vê a derrota de Marta Suplicy, que era uma candidatura apoiada pelo presidente Michel Temer?
Lavareda: Acredito que nem o presidente procurou entrar na campanha nem ela procurou atraí-lo para a campanha. Até procurou afastar-se. Não tem como o presidente ser arranhado pelo insucesso da candidata.
Valor: Por que a candidatura de Marta não teve bom desempenho? Ela ficou em quarto lugar.
Lavareda: A despeito de ela ter uma avaliação retrospectiva de seu mandato bastante elevada, segundo as pesquisas mostram, ela não conseguiu fazer o eleitor entender a real motivação de sua saída do PT. Esse provavelmente será o motivo. Sua campanha não conseguiu dar conta disso.
Valor: Como deve ser o perfil do segundo turno em Belo Horizonte entre João Leite e Alexandre Kalil (PHS)?
Lavareda: O João Leite tem maior potencial. Tem maior capacidade de montagem de coalização e de arrecadar apoios do que o candidato Kalil.
Valor: O senhor acha que essas eleições evidenciam a força de um novo conservadorismo?
Lavareda: O país como um todo está assistindo ao pêndulo da dominância da maior parte da opinião pública se deslocar mais para o centro-direita depois do ciclo petista. É um processo não só brasileiro como latino-americano. Num cenário de crise econômica, o poder tem se movido na América Latina nessa direção.
Valor: Como o senhor vê o impacto da redução da doação de empresas para as campanhas e a diminuição do tempo de campanha para os desempenhos dos candidatos?
Lavareda: Talvez tenha sido a recuperação da competitividade dos prefeitos candidatos. Teoricamente, a expectativa era: situação econômica muito positiva, caixa cheio, prefeitos bem-avaliados, prefeitos reeleitos. Esse é um típico cenário de 2008. Ou, em outro extremo, situação econômica mais precária, caixa das prefeituras enfrentando dificuldades, prefeitos mal avaliados, menor taxa de reeleição, como em 2008. O ano de 2016, em meio à maior crise econômica da história, que já estava difícil antes, [o caixa das prefeituras] ficou absolutamente precário. A avaliação dos prefeitos era muito baixa. A expectativa racional era que tivéssemos a menor taxa de reeleição neste ano. Mas, ao menos nas capitais, os atuais prefeitos estão se mostrando competitivos. A escassez de recursos pode ter deixado a situação de incumbente, ou seja, o cara sentado na cadeira, privilegiada em relação ao opositor, à míngua, sem recursos.
Valor: Mas em São Paulo esse cenário foi diferente?
Lavareda: No caso de Doria, sobretudo, com o tempo de televisão [maior]. Nunca houve um candidato com tanto de TV.
Valor: Algumas pesquisas de opinião ficaram muito distantes do resultado das eleições. A pesquisa Ibope de sábado mostrava João Doria, candidato vitorioso, com 35% das intenções de voto e Haddad, que ficou em segundo, como em quarto lugar, com 15%. Como isso se explica?
Lavareda: Foram problemas de amostragem. O Ibope provavelmente vai fazer uma reflexão sobre a pesquisa que divulgou no sábado. Dizer que o candidato tem 35% das intenções de voto e ele ganhar com 53% dos votos significa que alguma coisa ocorreu. Não mostrou a tendência do crescimento de Doria nem do prefeito Haddad. Em São Paulo houve um processo de mudança de intenção de voto grande. Tanto é que Doria ganhou muito impulso nesses últimos dias. O candidato que tinha maior percentual de votar em Doria era do contingente do [Celso] Russomanno. Então como o Doria cresceu se o Russomanno não caiu? [segundo a pesquisa Ibope] Essa é uma questão. Do ponto de vista metodológico, o Ibope fez a pesquisa durante três dias: quinta, sexta e sábado. O Datafolha fez apenas em dois dias, o que detecta melhor a tendência. Em terceiro, o Ibope fez mil e poucas entrevista e o Datafolha, 4 mil. Teve mais condições de captar diferenças.
Valor: A hiperfragmentação dos partidos é uma tendência nas últimas eleições municipais. Neste ano, o número de partidos foi o maior registrado em pelo menos 20 anos entre as candidaturas.
Lavareda: A fragmentação das eleições municipais, pelo menos a se deduzir das prefeituras, aumentou. Isso tem como rebatimento a fragmentação maior da Câmara Federal. O aumento da fragmentação neste ano vai tornar mais imperiosa a reforma do sistema eleitoral. Os políticos, os analistas que se preocupam com isso vão saber interpretar os sinais deste ano e vão defender ainda mais uma reforma do sistema.
Valor: O senhor menciona as propostas para acabar com as coligações?
Lavareda: Sim. Acabariam as coligações nas eleições proporcionais e seria instituída cláusula de barreira. É o que está na PEC [proposta de emenda à Constituição] dos senadores Aécio Neves e Ricardo Ferraço [PSDB]. A continuação de vedação de doação empresarial provoca uma grande escassez de recursos. Mesmo aumentando- se o fundo partidário, será necessário também baratear, encontrar um sistema eleitoral para preenchimento das vagas das Câmaras. O sistema que temos é muito caro. Aí há duas possibilidades: o sistema alemão, que combina voto distrital com voto proporcional em lista fechada, ou adotar-se logo o voto proporcional em lista fechada, que reduz o custo das eleições em 70% e dá uma toque de partidarização, as pessoas vão se acostumar a votar em partido e vão desenvolver preferências partidárias.
Valor Econômico – 04/10/2016
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