Por Mônica Gugliano – Valor
O agravamento da crise na representação política tradicional tem sido terreno fértil para o crescime – O agravamento da crise na representação política tradicional tem sido terreno fértil para o crescimento de movimentos que pregam o que eles qualificam de "novo" no Brasil. A novidade, porém, nem sempre é panaceia. "O novo não é o dono da verdade e não basta ser novo. O novo pode ser pior que o velho", diz Ilona Szabó, uma das fundadoras e integrante do Agora!, grupo de discussão de políticas públicas formado por 50 membros entre líderes do terceiro setor, acadêmicos, profissionais liberais, líderes comunitários e formadores de opinião.
Aos 39 anos, Ilona é conhecida pelo seu trabalho no Instituto Igarapé, "think tank" que dirige e ajudou a fundar, voltado principalmente a discussão e busca de ações na área de segurança e nas políticas sobre drogas. Ao lado dela, foi fundamental na criação do Agora! o cientista político Leandro Machado, experimentado nas fileiras da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), organização comandada pelo empresário Guilherme Leal, candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva em 2010.
Formado na UNB, Machado trabalhou em empresas como Shell, IBM Brasil e Natura e foi um dos principais formuladores na campanha de Leal. "Já entrei no topo da cadeia alimentar da política, foi um batismo de fogo", diz. Ilona, Machado e os outros integrantes do Agora! chegaram à conclusão de que era a hora de parar de reclamar da corrupção e da baixa qualificação dos políticos, saindo da linha de conforto das trincheiras para as fileiras da frente da batalha. "Só se pode reformar a política dentro dela", diz Machado.
Filhos de uma geração que ocupou as ruas cobrando o fim da ditadura militar e reivindicando eleições diretas, eles cresceram em meio a certa aversão à política. Só mudaram a partir das jornadas de junho de 2013. "Mudar o Brasil não é responsabilidade apenas dos partidos e dos políticos. Se o cidadão brasileiro continuar terceirizando essa tarefa e eximindo-se dela, nunca vamos mudar", afirma o cientista político.
A ideia de organizar um movimento surgiu de uma catarse que reuniu Machado, Ilona e a especialista em gestão pública Patrícia Ellen em um fórum internacional. "De repente nos vimos os três, ali sentados, em um evento que reuniu personalidades e presidentes da América Latina. E o Brasil? Quem representava a maior economia da região Sul? O Brasil tinha um presidente interino que sequer se sabia se continuaria no cargo. Outros representantes? Quais? Se a maioria estava envolvida em casos escabrosos", diz Machado. "Saímos dali decididos a mudar a realidade. Não faltam no Brasil grandes cérebros, pessoas com capacidade de pensar o país em um ambiente sadio. Em três minutos, fizemos uma lista com 50 nomes. E era tudo tão urgente que batizamos o movimento como Agora!."
Os integrantes do movimento Acredito passaram por processo semelhante: foi fundado por jovens bolsistas que se conheceram em Harvard. "Começamos a nos perguntar se não poderia existir outra forma de fazer política, de ser político, do que aquela que conhecemos e rejeitamos", diz o consultor José Frederico Lyra, um dos criadores do movimento, ao lado do professor da Fundação Getulio Vargas Felipe Oriá e da pesquisadora e cientista política Tábata Pontes. Zé Fred, como é chamado, é goiano, tem 33 anos e já integrou a equipe da Secretaria de Educação de Goiás. Mas foi em Harvard, no mestrado de políticas públicas financiado pela Fundação Lemann, que começou a tomar gosto pela política. Em 2015, virou coordenador nacional do Acredito, que se define como movimento de renovação política nacional e suprapartidário, com ramificações por todo país. Hoje, está em 11 Estados e conta com mais de mil voluntários. A missão do movimento é renovar o Congresso.
No Manifesto do movimento, os fundadores reconhecem largamente as conquistas alcançadas pela geração de brasileiros que os antecedeu, fala da desilusão com o país que lhes foi prometido, mas nunca entregue, e, por fim, que se assume como um dos atores que vão construir o Brasil dos próximos 30 anos.
Como o Agora! e outros movimentos, o Acredito quer combater a polarização que, segundo sua coordenação, empobrece o debate público. Pretende ser um ponto de encontro entre pessoas vindas de diversas tendências ideológicas. Neles estão desde cidadãos que marcharam nas ruas pedindo o impeachment de Dilma Rousseff a empresários e líderes indígenas. Defende a visão modernizadora da política, sustentada nos princípios de inclusão social, responsabilidade fiscal e modernização na área dos costumes.
Ambos também surgiram no cenário de auge da crise político-econômica, mas não tiveram participação tão intensa nos primeiros tempos quanto o Movimento Brasil Livre (MBL), criado em 2014 e que, a partir do ano seguinte, tornou-se um dos líderes entre os que pregavam nas rua o impeachment de Dilma. Também em 2016 surgiu o Vem pra Rua, que teve apoio expressivo de políticos do PSDB, mas submergiu desde que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) se viu arrastado pela Operação Lava-Jato. Esses movimentos deverão passar pela prova de fogo em 2018 e antes de acabar o prazo para as filiações partidárias, em abril, terão que descobrir se será possível misturar os ingredientes da "velha política com as novas práticas". Em tempos de pensar na composição das chapas e em listas de nomes, terão que recorrer aos partidos tradicionais para concorrer. "Para operar no sistema político, é preciso ter experiência política. E ela está nos partidos", diz o cientista político Antonio Lavareda.
Nos próximos meses, esses arranjos estarão a todo vapor. O Acredito pretende apoiar 30 candidatos e já conversou com PPS, DEM, PSB, Livres e o PSC de Jair Bolsonaro, que deve trocar de partido. "Eles querem se renovar", diz Zé Fred. Se de fato quiserem inovação, vão ter que abraçar as ideias do Acredito, que preveem deputados trabalhando no Congresso em "coworking", sem tantas folgas e recessos, sendo financiados por "crowdfunding", discutindo e prestando contas – como bom gestores -, discutindo e divulgando por meio das redes sociais tudo o que fazem, observa. "O Congresso não está sintonizado com a sociedade. Precisa mudar", diz Zé Fred, que pretende ser candidato a deputado federal. Só lhe falta escolher o partido.
O Agora!, que com o Renova Brasil foi o berço da ideia de uma candidatura do apresentador Luciano Huck – que não vai concorrer -, também pretende apoiar candidatos pulverizados em diversas legendas. "Queremos retomar uma parceria entre a política e a sociedade que nunca deveria ter sido rompida. Os partidos sabem que precisam se reinventar. O Agora não é um grupo sonhático", afirma Ilona. O RenovaBR (Fundo Cívico para a Renovação Política) já começou a preparar candidatos. Capitaneado pelo executivo do mercado financeiro Eduardo Mufarej, sócio da Tarpon Investimentos e presidente da Somos Educação, o Renova vai patrocinar bolsas de aperfeiçoamento (que podem chegar a R$ 12 mil mensais) a cidadãos interessados em disputar as próximas eleições. Os recursos virão de colaboradores como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, o publicitário Nizan Guanaes, o empresário Abilio Diniz e o ex-técnico de vôlei Bernardinho. O processo de seleção dos bolsistas terminou há poucos dias e, segundo Mufarej, houve 4 mil inscritos que podem ser filiados a partidos, mas que não podem nunca ter disputado e conquistado um mandato. "Queremos identificar e ajudar esses novos talentos com perfil de liderança a se elegerem e terem condições de oxigenar as práticas políticas", afirma Mufarej.
Amparados em pesquisas de opinião que apontam a exaustão do eleitorado com os caciques, os partidos também tentam arregimentar cidadãos que não se intitulem políticos, tenham boa escolaridade, preparo e que carreguem o frescor. "Essa busca me parece uma coisa mais eleitoreira do que cidadã. Não me parece que visa o bem público", afirma Paulino.
Embora poucos critiquem abertamente esses movimentos, existe certa desconfiança de que a única forma de "mudar tudo isso que está aqui", como eles mesmos costumam dizer, é por meio da política. "A proposta é de um jogo de futebol em que os jogadores nunca viram a bola. Mas algum marqueteiro, vendo que as pessoas estavam cansadas da política e dos escândalos, começou a explorar essa ideia, do novo. Isso é a mais pura política. A política do oportunismo. É uma mentira", diz o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que pretende disputar a indicação para ser o candidato a presidente da República.
Organismos internacionais, com muita apreensão, têm mostrado que a descrença na democracia só faz aumentar no mundo e, em especial, na América Latina, onde se destaca o Brasil. Entre tantas dúvidas sobre o proclamado novo, uma das mais cruciais é saber se, por meio dele, aparecerão os resultados políticos que a sociedade espera. "Doutor Tancredo dizia que a política ilude mais do que o amor. Eles estão entrando na política. O novo não quer acabar com a política. Quer acabar com a pornografia em que a política se transformou", diz o deputado Miro Teixeira (Rede- RJ). Tomara que assim seja.
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