Sistema Político ‘expele’ outsiders, diz especialista

Por Ricardo Mendonça – O Valor (09/05/2018)

O sistema político brasileiro tem a propriedade de "expelir" outsiders que almejam a Presidência da República, avalia o cientista político Antonio Lavareda, diretor da empresa MCI, que trabalha com estratégia de comunicação política. Segundo ele, é isso que resta provado após as desistências do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa (PSB), anunciada ontem, e do apresentador de TV Luciano Huck (sem partido), anunciada em fevereiro.

Tanto Barbosa como Huck eram tidos no meio político como possíveis postulantes com relevante potencial eleitoral. Suas candidaturas seriam garantidos pelos presidentes do PSB e do PPS, respectivamente, este último citado para abrigar Huck. Mas os projetos acabaram abortados na fase gestacional.

"Eles acabam saindo [da disputa] porque são expelidos pelo modelo", disse Lavareda em entrevista ao Valor. "Diferentemente do que ocorre em alguns países em que é possível ter candidatura avulsa, aqui o sujeito precisa combinar sua candidatura com o dirigente do partido, se comprometer com a bancada em Brasília, passar pelo crivo dos governadores, tem de dar explicações antecipadas sobre vários temas, tem de fazer acordo, fazer concessões. E tudo isso é entrelaçado, complexo."

Para Lavareda, quem não é do meio político e não quer se expor excessivamente acaba desistindo de entrar. "É uma característica do nosso sistema. Não faço juízo de valor, se é positivo ou negativo. É assim."

Lavareda afirma que a candidatura de Joaquim Barbosa representaria uma "alternativa" para um tipo de eleitor que não aprecia políticos tradicionais. Ele afirma que a taxa de indecisos caía quando Barbosa era colocado como opção de candidato nas pesquisas quantitativas. Dessa forma, completa, a saída de Barbosa da disputa tende a engrossar o contingente de indecisos no primeiro momento. Na sua avaliação, o ex-ministro do STF tinha potencial de crescer junto ao eleitorado de centro-direita que tem se mostrado muito preocupado com a questão da corrupção. É o que ele chama de "mercado eleitoral da indignação, do clamor moral".

"Seria um candidato com perfil curioso", disse. "O anzol dele é de centro-esquerda, do PSB, da história do menino pobre. Mas ele iria pescar eleitores na centro-direita." A ausência de Barbosa, portanto, representa o afastamento de uma ameaça para nomes que militam nesse campo, como Geraldo Alckmin (PSDB) e Jair Bolsonaro (PSL).

O economista Mauricio Moura, diretor da empresa de pesquisa Ideia Big Data, faz uma avaliação semelhante. Quando era apresentado como candidato a presidente, o ex-ministro do Supremo aparecia como beneficiário de "admiração" de eleitores das classes A e B, disse.

Era lembrado, sobretudo, por sua atuação como relator do processo do mensalão, que culminou na condenação de alguns dos principais dirigentes do PT, como José Dirceu, João Paulo Cunha e José Genoino. Ao anunciar que não irá disputar a eleição, Barbosa permite que esse público volte ao seu curso tradicional. Nesse sentido, a desistência tende a ser positiva para Alckmin, afirma Moura.

O ex-governador de São Paulo, no raciocínio de Moura, era um dos mais ameaçados pela presença de Barbosa na disputa. Sem o ex-ministro do Supremo no rol candidatos, essa ameaça que pairava sobre Alckmin desaparece. Moura não acredita que o PSB faça aliança para apoiar a candidatura do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno. Isso minimizaria o ganho que o ex-governador do Ceará também poderia ter com a desistência de Joaquim Barbosa. "Não ter candidato a presidente talvez seja a melhor alternativa para os governadores do PSB que querem reeleição e dependem da manutenção de seus acordos locais", disse. "Libera palanques regionais e garante a integridade do dinheiro do fundo eleitoral para os nomes do próprio partido", concluiu.

A saída de Barbosa, de qualquer forma, representa um alívio para o nomes do PSB que pretendem disputar vaga de governador, em especial Márcio França, em São Paulo, e Paulo Câmara, que tenta a reeleição em Pernambuco. A candidatura nacional do ex-ministro do Supremo causaria desarranjos em alianças locais que são mais interessantes para os planos particulares desses dois políticos.

Uma resolução do PSB produzida na última reunião de seus dirigentes nacionais estabeleceu três alternativas para o partido nas eleições presidenciais: ter candidato próprio, não apoiar ninguém ou fazer aliança para apoiar algum representante de centro-esquerda.

A primeira alternativa, a do candidato próprio, ruiu na manhã de ontem com o tuíte de Barbosa anunciando sua desistência. Se prevalecer a terceira alternativa a de aliança, a tendência mais natural para o PSB seria apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o petista preso, Ciro larga na pole-position.

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