
Não só os democratas estão respirando aliviados após as eleições intermediárias de 8 de novembro. O temor da onda vermelha (republicana) foi afastado, mesmo antes de concluída a apuração, que se arrasta por conta do sistema de votação descentralizado. Os institutos de pesquisa americanos também pularam uma fogueira. Lembrando que lá o sistema bipartidário e o voto facultativo eliminam o voto útil, fazendo com que as pesquisas sejam cobradas como spoiler das urnas.
Baseados nelas os prognosticadores este ano se saíram bem melhor que na eleição passada na Câmara (House) e especialmente na eleição do Senado, em que o “erro” médio se situou em dois pontos para todas as disputas, conforme Elliot Morris citando dados de Alexander Agadjanian (PHD student, na UC Berkeley). Nessa linha, as pesquisas por telefone com entrevistadores (live phone) se saíram ainda melhor que as on-line (internet). Lembrando que praticamente eles não utilizam pesquisas eleitorais face à face.
Esse resultado foi um alívio para a comunidade de pesquisas, após o setor ter amargado um pesadelo em 2020, o pior ano de desempenho dos institutos desde Reagan, em 1980, segundo a AAPOR ( Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública). Na verdade, na eleição de Biden foram agravados problemas que já haviam despontado nos surveys de 2016, e que interromperam o prestígio que desfrutavam por terem subsidiado projeções muito acuradas, em 2008 e 2012.
O que os institutos fizeram esse ano? Praticamente nada, em termos de mudanças metodológicas. Mas a “recusa à entrevista” dos Republicanos diminuiu e isso pode ter ajudado significativamente. Será? Na verdade, nem a Comissão da AAPOR que examinou os dados de 2020 chegou a uma conclusão efetiva sobre o tamanho do “voto oculto” em Trump naquele ano. Nesse terreno, os pollsters não conseguem ir muito longe. É a Ciência Política que pode nos ajudar a entender por que o uso de métodos semelhantes produz dados que ora se aproximam mais ora menos do resultado das urnas. E que portanto “bons” resultados de hoje dizem pouco sobre o que ocorrerá nos próximos ciclos eleitorais.
Meu suposto é que, afora o perfil da abstenção em comparação com o perfil do apoio dos principais candidatos, o fator chave para explicar a maior ou menor aproximação entre atitudes e comportamento, entre as pesquisas e as urnas, é a “volatilidade”, o grau de consistência das intenções de voto. E que a mesma é intrínseca à “natureza” de cada eleição. A exacerbada polarização nos EUA, reforçada pelos temas da “inflação” e do “aborto/controle do corpo”, e pela forte presença de Trump, nacionalizou as disputas, estabilizando-as. Combinado com o alto percentual de voto antecipado (early voting) resultou numa participação elevada, embora inferior a de 2018.
Essa discussão faz todo sentido também no Brasil. Onde uma comissão tripartite da ABEP (Associação Brasileira da Empresas de Pesquisa), da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), e da ABRAPEL (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) se debruçará em breve sobre pesquisas e eleições de 2022.
No nosso segundo turno, binário, sem a longa lista de candidatos e o voto útil do primeiro turno, além de conhecido o perfil da abstenção, as pesquisas como alimentadoras de prognósticos (alimentadoras…) se saíram muito bem no segundo turno. Não só na eleição presidencial. Também nas de governadores. Em um único estado houve inversão entre o resultado da véspera e o registrado pelo TSE.
Por que foi diferente do que havia ocorrido em 2018, quando as pesquisas foram cobradas por não terem antecipado os movimentos vertiginosos de última hora em diversos pleitos?
Não tem a ver com a “qualidade” das pesquisas. E, sim, com natureza diferente das duas eleições. Esse ano vivemos uma disputa “normal”. Eleições “mantenedoras” nas quais assistimos a maior taxa de reeleição (90%) para os governos estaduais de toda a Nova República. Voto “prospectivo retrospectivo”, reelegendo 18 incumbentes bem avaliados. De resto, a mesma espinha dorsal da lógica prevalecente na disputa presidencial. Em 2018, tivemos uma eleição “crítica”, com ondas tsunâmicas no final das campanhas varrendo políticos tradicionais.
Sempre será impossível proceder-se um bom exame do “desempenho” das pesquisas eleitorais, apenas examinando-as “internamente”, sem que se faça o correto diagnóstico do objeto sobre o qual se debruçam. Nessa direção, o primeiro passo sem dúvida é pedir ajuda à Ciência Política e à Sociologia Eleitoral para compreender-se a natureza e respectiva dinâmica potencial de cada pleito. “Cada eleição é uma eleição” é apenas uma bobagem frequentemente repetida a cada eleição.
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