“Atento aos cantos de sereia”

Jornal do Commercio – 15/09/2017

Num momento em que o Brasil vive uma das mais profundas crises da Nova República, o cientista político Antonio Lavareda estreia amanhã um programa de entrevistas na TV Jornal, sempre aos sábados às 19h30. Ele conversou com o JC sobre a sua nova empreitada, o cenário atual e alertou sobre os riscos das tentações populistas em 2018.

JC – Os sucessivos casos de corrupção dão ideia de poço sem fundo. O caminho para o fim ainda está longe?

LAVAREDA – Essa, sem dúvida, é a crise mais profunda da Nova República, nosso período histórico pós-autoritarismo, iniciado em 1985. Crises políticas tivemos outras, mas esta é a que mais se aproxima do modelo de “crise geral”, algo que raríssimas vezes ocorre na vida de um País. Nela, vemos o aguçamento da crise de representação combinada com a perplexidade de conflitos generalizados entre os poderes. Do Executivo com o Legislativo, que levou ao impeachment de Dilma, seguido pela contenda entre o Judiciário de um lado e Executivo e Legislativo de outro, e agora incluindo um enfrentamento interno, autofágico, no próprio Judiciário. Esse processo é permeado pela crise moral despertada pela Lava Jato e turbinado pela maior recessão de todos os tempos que atirou ao desemprego mais de 14 milhões de pessoas.

JC – Mas o que será necessário para romper esse momento?

LAVAREDA – Exigirá um reexame profundo das instituições, além da adoção de novos paradigmas de comportamento dos agentes públicos. Do lado da sociedade, do cidadão, será bom lembrar que nesses tempos de vertigem dos valores o eleitor ano que vem terá que ficar muito atento aos cantos de sereia. Já assistimos a esse filme outras vezes. Quando aqui ou lá fora a política, seja por que motivo for, é satanizada, logo aparecem as tentações populistas e messiânicas, os salvadores da pátria. O Brasil experimentou algo assim em 1989. Na democracia isso nunca dá certo.

JC – O programa 20 Minutos, na TV Jornal, chega com o propósito de apresentar um panorama sobre o poder. Vivemos a época dos “fatos alternativos” de Donald Trump. Como chega o seu projeto neste cenário atual?

LAVAREDA – Infelizmente é em meio a situações como a que atravessamos hoje que muitos de nós terminamos por nos dar conta de como o poder interfere fortemente em nossas vidas. Emprego, salário, oportunidades, quase tudo depende dele. Percebemos como as ações dos governantes, mas também o que fazem e o que deixam de fazer os parlamentares e os magistrados nas várias instâncias do sistema judicial, afetam diretamente as condições de vida dos cidadãos. Refletir sobre o poder exige uma visão 360 graus, a mais aberta possível e desprovida de preconceitos. É o que eu e toda a equipe das várias plataformas do SJCC procuraremos fazer no 20 Minutos, com um estilo objetivo e ritmo dinâmico, ajudando quem nos assiste a se informar sobre o que é de fato relevante em cada um dos temas abordados.


JC – A um ano da eleição presidencial, os principais candidatos têm reprovação superior a 50%. Pode surgir um outsider, como na França?


LAVAREDA – A campanha eleitoral serve a dois fins: alavancar a preferência pelo candidato e diminuir a desaprovação inicial. Numa eleição com segundo turno, a rejeição será decisiva apenas na segunda etapa. E ela muda na campanha. Todos lembramos que Dilma ganhou o segundo turno porque inverteu a ordem. Em alguns contextos, mesmo os vencedores têm elevada rejeição. Quanto a Macron, nosso sistema político é diferente. Não haveria tempo agora para a fundação de um partido como o dele. Um eventual candidato outsider típico, como Luciano Huck que a pesquisa Ipsos mostrou mais benquisto, imbatível diante de qualquer político antigo ou novo, teria que se filiar a um partido existente, de preferência grande, por conta do tempo de TV e rádio, porque apenas redes sociais não pavimentarão uma candidatura vitoriosa.


JC – E o senhor avalia que Lula será candidato? Caso não, acredita que o PT terá fôlego para uma candidatura?

LAVAREDA – O TRF da 4a Região não terá como não julgá-lo antes do período de inscrição das chapas. O próprio presidente daquele tribunal já confirmou isso em entrevista na qual também disse que a sentença condenatória do juiz Sergio Moro era “irretocável”. Condenado em segunda instância, Lula se tornará inelegível. O partido concorrerá com outro candidato. Haddad é o mais provável. O PT, embora com muito menos força, ainda é o partido mais enraizado na sociedade. Não ganhará a eleição presidencial e diminuirá bastante sua bancada no congresso, mas seguirá existindo como grande sigla da esquerda.

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