Por Cristian Klein / Valor Econômico
A menos de uma semana da estreia da propaganda eleitoral em rádio e TV, uma das principais dúvidas sobre a corrida presidencial é: quem se beneficiará da possível desidratação de Jair Bolsonaro (PSL) – que chega a ter 22% das intenções de voto mas contará com apenas 1% do tempo de TV. Na opinião de especialistas consultados pelo Valor, o espólio de eleitores de Bolsonaro tende a ser herdado, em sua maioria, por Ciro Gomes (PDT) ou Geraldo Alckmin (PSDB). Para o sociólogo Antônio Lavareda, há um vaso comunicante entre os eleitores de Bolsonaro e Ciro Gomes. Lavareda é adepto da teoria da inteligência afetiva, em contraste com as análises predominantes, na ciência política, baseadas na abordagem da escolha racional. O modelo destaca a importância das emoções – e não da racionalidade, pela qual se esperaria, por exemplo, que votos de Bolsonaro migrariam para Alckmin por causa da proximidade ideológica entre os dois. Mesmo estando à esquerda no espectro político, defende o pesquisador, Ciro pode ser o principal beneficiário da desconstrução de Bolsonaro. O estilo de Bolsonaro está próximo de Ciro – ainda que o pedetista se vista "ora de Lobo Mau, ora de Chapeuzinho Vermelho", ilustra Lavareda – e também se assemelha ao de Alvaro Dias (Podemos), senador que se "abraça" com o juiz federal Sérgio Moro na tentativa de ser o candidato anticorrupção, representante da Operação Lava-Jato. Os três presidenciáveis exploram em seus discursos a indignação, a raiva dos eleitores. Essa é uma das "modas", afirma o pesquisador, do sistema de vigilância, ou seja, do clima de opinião e de sentimentos quando a avaliação das pessoas é de que "as coisas vão mal". Quando a percepção de que a vida vai bem, o modo predominante é o sistema de predisposição, o que costuma se refletir em continuidade política. Lavareda desconfia de que esse vaso comunicante foi percebido pelos candidatos. "Fiquei pensando se, no debate, aquele tratamento carinhoso que Ciro dispensou ao Bolsonaro cabia a um possível herdeiro", afirma. Alckmin é ideologicamente mais próximo, mas nada garante que ao atacar e erodir Bolsonaro conseguirá ser o beneficiário da migração, argumenta. "Alckmin precisa crescer por suas próprias virtudes para eventualmente se beneficiar do movimento subtrativo de Bolsonaro", diz. A perda de votos do capitão reformado do Exército, acrescenta, também pode inflar as taxas de alienação eleitoral (votos nulos, em branco e abstenção). Nisso concorda o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, para quem a primeira parada do eleitor desencantado com Bolsonaro pode ser o alheamento. Um sintoma seria o fato de o crescimento do candidato do PSL, nas respostas espontâneas das últimas pesquisas estar relacionado à redução do grupo daqueles que dizem que votarão em branco ou nulo. "Na medida em que Lula sobe e se mostra forte, os antipetistas, os anti-Lula saem do alheamento e passam a votar no Bolsonaro", diz. Pelas inferências de Paulino, no entanto, Alckmin seria o maior beneficiário da desidratação de Bolsonaro. Como não há perguntas sobre o segundo voto dos bolsonaristas, o diretor do Datafolha toma como um parâmetro as preferências desse grupo nos cenários de segundo turno em que o candidato do PSL não aparece. Num eventual duelo entre Alckmin a Ciro, enquanto na amostra total o resultado seria de 37% a 31% a favor do tucano, o ex-governador de São Paulo amplia a vantagem sobre o pedetista quando se observam as preferências de bolsonaristas: 43% a 20%. A margem de erro, quando se recorta a amostra para observar um grupo menor de entrevistados, aumenta. Mas a diferença de oito pontos percentuais entre Ciro (20%) e Marina (28%), nos duelos com Alckmin, indicaria que os bolsonaristas, pela ordem, preferem o tucano, a ex-senadora e o pedetista. O resultado tem consistência nas simulações de segundo turno com Lula, nas quais os simpatizantes de Bolsonaro dão 49% para Alckmin e 43% para Marina, contra 18% e 19%, respectivamente, do petista. Apesar de identificar beneficiário distinto numa erosão de Bolsonaro, o diretor do Datafolha destaca, à semelhança de Lavareda, que nesta disputa o cidadão "não está votando por ideologia", mas pelo sentimento de raiva. Paulino conta que, nesta eleições, pela primeira vez, o Datafolha está gravando as entrevistas feitas em campo pelos pesquisadores. "Os entrevistados falam muito palavrão. Por isso, falo com tanta certeza que o desinteresse pela eleição não vem de uma letargia, é indignação", afirma. Para ganhar os votos de bolsonaristas, a tarefa de Alckmin, sugere Paulino, seria a de entender esse sentimento e apresentar soluções para problemas do eleitor típico de classe média. Na área de saúde, por exemplo, voltar-se mais para a regulação do setor privado. "Fizemos uma pesquisa com esse grupo e 96% reclamaram que já tiveram algum problema com planos de saúde", diz. Na outra dúvida que paira sobre a eleição presidencial – qual o potencial de Fernando Haddad- Paulino e Lavareda têm respostas semelhantes. O vice na chapa petista tem só 4% das preferências, mas será turbinado pelo apoio do ex-presidente Lula, líder das pesquisas, com até 39%, mas cuja candidatura deverá ser barrada pela Justiça eleitoral. Ambos projetam que Haddad terá cerca de 20% dos votos válidos. "Haddad está condenado a crescer", diz Lavareda. As contas se baseiam na transferência de Lula para Dilma em 2010. Lavareda usa agora o percentual de votos que Lula teria contra Bolsonaro, num eventual segundo turno, 52%. Pelo resultado de uma regra de três, daria 28%, mas o pesquisador prevê que, com Lula preso, a transferência para Haddad será em torno de dois terços do que foi com Dilma. Paulino toma como parâmetro as pesquisas do Datafolha em que 31% dos eleitores afirmam que votarão com certeza no candidato apoiado por Lula, índice que, em média, cai à metade quando a pergunta inclui o nome do apadrinhado. Descontando-se abstenções, votos nulos e em branco, o percentual ficaria próximos dos 20%.