O educador Mozart Neves Ramos foi cotado para ser ministro da Educação de Jair Bolsonaro
O educador Mozart Neves Ramos foi cotado para ser ministro da Educação de Jair Bolsonaro
Ex-secretário de educação do Estado, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atualmente Diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, o pernambucano Mozart Neves teve o nome cotado para assumir o Ministério da Educação no governo de Jair Bolsonaro (PSL), antes do veto da bancada evangélica da Câmara. Em entrevista ao cientista político Antônio Lavareda, ao programa 20 Minutos – no último dia 9, antes das notícias sobre o ministério – o professor analisou o panorama da educação básica, a reforma do ensino médio, o déficit da aprendizagem e temas polêmicos, como o Escola Sem Partido.
ENTREVISTA COM MOZART
ANTÔNIO LAVAREDA – Levantamento da Varkey Foundation com 35 países mostra o Brasil na última posição em relação ao prestígio do professor com o aluno. Por que isso ocorre e qual é o caminho para superarmos essa situação?
MOZART NEVES – É resultado da baixa atratividade pela carreira do magistério no Brasil. Mostra o quanto ela encontra-se desvalorizada. Para se ter uma ideia, no último exemplar do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), foi feita uma pesquisa com os adolescentes, e os brasileiros foram os únicos que não desejaram seguir a carreira de magistério. Quando você olha países como Finlândia, Singapura, Coreia do Sul, a larga maioria dos jovens deseja o magistério.
LAVAREDA – Nesse estudo, 49% dos professores entrevistados dizem que não recomendariam a ninguém seguir a sua profissão.
MOZART – No início da carreira, o salário do professor é 11% menor do que a média de outros profissionais com a mesma titulação. Quando se chega lá pela metade da carreira, esses 11% vão para 43%. Isso demonstra a baixa atratividade do ponto de vista salarial. Mas há outros dois fatores que são muito importantes para que isso aconteça. Um deles está ligado à própria formação. Infelizmente, as nossas universidades não preparam os nossos professores para a prática do ambiente escolar, é uma formação muito teórica. Esse jovem sai da universidade, começa a enfrentar a realidade de uma sala de aula, vê que não está preparado para aquele ambiente e começa a migrar para outro caminho que não o do magistério. O outro ponto tem muito a ver com a questão da violência. Muitos professores, principalmente aqueles que começam a dar aula nas periferias das grandes cidades, não suportam mais do que um ou dois anos, porque realmente sentem o medo de dar aula.
LAVAREDA – Há a questão do retorno de renda em relação aos anos de estudo. No Chile, por exemplo, o retorno agregado por ano de estudo é de US$ 3 mil. No Brasil, esse número fica em torno de US$ 200. Qual é a mensagem que isso passa?
MOZART – No Brasil, a gente tem sete, oito anos de escolaridade como média da população. No Chile, isso chega a quase nove. O que se observa nessa relação entre produtividade e anos de escolaridade é que o impacto maior começa a partir dos oito anos de escolaridade. O Brasil ainda não chegou aos oito anos, mas só chegar também não assegura essa mudança de impacto na produtividade se a educação oferecida não for uma educação plena. Eu diria que o grande desafio da educação brasileira é a aprendizagem escolar. As nossas crianças não aprendem, os nossos jovens chegam ao final do ensino médio com um nível de aprendizagem muito baixo. O fator controlado pela educação que mais impacta na qualidade da aprendizagem – porque há outros fatores externos, como o problema de tráfico de drogas – é a qualidade do professor.
LAVAREDA – Você já foi secretário de Educação e reitor da UFPE. É muito comentado o investimento que o Brasil faz no ensino universitário. Em contrapartida, o nível de investimento no primeiro grau ainda é muito baixo. Como o próximo governo poderia enfrentar essa questão?
MOZART – Tenho lido que a prioridade maior vai ser na educação básica, tanto o ensino fundamental como o ensino médio, para tangibilizar isso. No Brasil, o custo do aluno/ano na universidade pública é R$ 23 mil. No ensino básico, é R$ 6 mil. Na minha opinião, as universidades vão ter que repensar uma cobrança. Eu tenho uma proposta que eu diria que talvez será importante para levar mais jovens de baixa renda às universidades particulares. Todo pai cujo filho estuda em uma universidade pública e que pagava antes do ensino médio uma escola particular deveria pagar a um fundo social que seria destinado a um jovem de baixa renda para estudar em uma universidade particular. O Fies realmente virou uma bola de neve. A lógica do governo do PT quando começou em 2011 era de R$ 1 bilhão para o fundo, mas em quatro anos passou para R$ 32 bilhões. A perspectiva era de que, quando o jovem estivesse saindo da universidade empregado, ele poderia pagar o Fies. Acontece que a gente está em uma crise econômica, são 13 milhões de desempregados, boa parte de jovens egressos das universidades. O programa não se sustentou por isso.
LAVAREDA – Os críticos chamam atenção para o fato da baixa empregabilidade de muitos jovens em função das deficiências desses cursos.
MOZART – Esse jovem chega com muitos déficits de aprendizagem. A maioria vem das escolas públicas, e isso ele carrega. Consequentemente, a própria instituição de ensino superior fica entre a cruz e a espada. Não pode apertar tanto, porque o aluno pode sair. Você tem que criar uma situação de equilíbrio entre promover a aprovação desse aluno e fazer com que ele aprenda o máximo. O Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) é feito para obter um parâmetro que tenta mostrar a evolução desse aluno, mas o que a gente vem observando é que esse é um desafio. No Brasil, somente 19% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior. Quando a gente olha o Chile, a Argentina, isso é o dobro. Então, o Brasil precisa fazer um esforço muito grande do ponto de vista de ampliar essa escolaridade. Mas, para que isso seja sustável, a gente tem que melhorar a aprendizagem na educação básica.
LAVAREDA – 41% dos nossos jovens até os 19 anos não completam o ensino médio. O que pode ser feito para resgatar esse contingente?
MOZART – O jovem tem que ter uma escola que dialogue com o seu mundo. Infelizmente, ele hoje não consegue ter essa escola. É uma escola que precisaria desenvolver essas habilidades tão importantes para os dias atuais e futuros, como a criatividade, colaboração, pensamento crítico, trabalho em equipe. Esse novo ambiente do mundo do trabalho exige das pessoas que elas desenvolvam tais habilidades, e a escola está muito distante dessa chamada educação integral, que desenvolve o projeto de vida do jovem. A gente tem hoje acesso a escola, portanto não há um problema de vaga. Mesmo assim, a gente tem um milhão de jovens de 15 a 17 anos, que é a faixa etária correta para estar no ensino médio, fora da escola e fora do mundo do trabalho.
LAVAREDA – A reforma do ensino médio vai completar dois anos. Você imagina que a partir de que momento nós vamos começar a ver os efeitos concretos dessa reforma?
MOZART – Essa lei precisava de alguma regulamentação adicional. Aconteceu na reunião do mês de novembro do Conselho Nacional de Educação a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio. A outra parte da reforma vem pela Base Nacional Comum Curricular, que ainda não foi aprovada. Ela deve entrar em pauta na reunião de dezembro. A nossa expectativa é de que, com as diretrizes e a base aprovadas também esse ano, a gente comece a implementação da lei efetivamente a partir de 2019. Ela é muito importante porque traz duas coisas fundamentais. Uma é o que se chama de itinerários informativos, que dá mais flexibilidade ao ensino médio com foco em tentar buscar esse jovem para a escola na perspectiva do seu projeto de vida. E tem também um caminho para aquele jovem que queira ir para o mundo do trabalho através dos cursos profissionalizantes e técnicos. No Brasil, dos que terminam o ensino médio, só 22% vão para o ensino superior. A gente precisa preparar também essa juventude para ir para o mundo do trabalho.
LAVAREDA – Qual é a sua expectativa para a questão polêmica do projeto Escola sem Partido?
MOZART – A gente precisa ter uma escola apartidária, onde qualquer que seja a ideologia, ela seja posta fora do ambiente escolar. A escola é o lugar da aprendizagem para a vida. Eu posso ter a minha visão particular, partidária, política, mas eu não tenho que colocar a minha ideologia para os meus alunos. Defendo que a escola procure se focar naquilo que é essencial, a aprendizagem das crianças e dos jovens, que dê uma educação plena, integral, que desenvolva essas habilidades que são tão importantes para a vida atual e futura, tanto no campo social como no campo pessoal.
LAVAREDA – Você acha o projeto da Escola sem Partido positivo?
MOZART – Há uma pressão muito grande nesse sentido. Mas eu acho que dispositivos legais já estão postos para dar esse sentido laico para a escola. Acho que é mais um instrumento legal que, na minha opinião, só vai aumentar a tensão entre aluno e professor. Temo que essa tensão tenda ainda mais a distanciar essa baixa atratividade pela carreira do magistério. Acho que a gente precisa criar esse ambiente que promova uma integração aluno e professor, trabalhar ensino e aprendizagem em equipe. É muito mais importante buscar um ambiente escolar com uma boa gestão para que de fato a gente tenha uma escola harmoniosa, motivadora e que integre a vida do professor com a vida dos alunos.
LAVAREDA – Pernambuco tem obtido bons resultados no ensino médio por causa do ensino integral. Você foi secretário de Educação, e o Ginásio Pernambucano foi a escola precursora da utilização dessa metodologia de ensino.
MOZART – A gente mostrou a importância do ensino integral. É a escola de melhor atratividade, os alunos abandonam menos. Hoje, Pernambuco tem 50% da rede com esse modelo. A expectativa que tenho é de uma nova lei do ensino médio e que, com essa metodologia, a gente possa virar o jogo.
“Nossas crianças não aprendem”, diz Mozart Ramos em entrevista exclusiva a Antonio Lavareda
Foto: Leo Motta / JC Imagem
JC Online 25/11/2018