Por Monica Guglian/Valor
Nem tempo de TV, nem carreata, nem comício. O primeiro turno da mais eletrizante campanha eleitoral desde a redemocratização foi vencido por um candidato "praticamente virtual". Vítima de uma facada no abdômen em 6 de setembro, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) passou os restantes 30 dias que faltavam da cruzada no hospital e em casa. Mas não deixou um segundo de estar longe dos seus eleitores. "O envolvimento emocional e a fidelidade a Bolsonaro se dá nas redes sociais. Para os apoiadores não importa onde ele está ou que é dito fora delas. A verdade é o que está ali no mundo virtual", diz Fabio Malic, um dos coordenadores do Laboratórios de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic). Bolsonaro soube usar e explorar as redes sociais, dizem especialistas. Elas mantiveram, fidelizaram e ampliaram seu eleitorado, que, segundo estimativas de especialistas, pode garantir a vitória no segundo turno, independentemente do seu desempenho em entrevistas ou debates. "Não há racionalidade nesta eleição. Só amor e ódio. E foi nas redes sociais que esses sentimentos moveram os votos", diz o professor da USP Gaudêncio Torquato.
Ao fim do primeiro turno, Bolsonaro voltou às redes para comentar a sua vitória. Enquanto seus opositores davam entrevistas ao vivo para as emissoras de rádio e TV, ele surgiu em casa e fez uma transmissão pelo Facebook sentado à uma mesa improvisada em frente a dois ventiladores, cujos fios apareciam no meio da tela. Ao lado do economista Paulo Guedes – que não pronunciou uma palavra e nem se mexeu – e de uma jovem que interpretava a linguagem de sinais, ele agradeceu os votos que recebeu. Quem esperava uma mensagem de pacificação, decepcionou-se. Era uma resposta aos eleitores que ao longo do domingo espalharam fotos, vídeos e mensagens, a maioria dando como certa a vitória do capitão reformado no primeiro turno. Embaladas na onda direitista e conservadora e alimentada pela revolta contra a corrupção debitada principalmente na conta do PT, as redes sociais catalisaram e espalharam sentimentos e preferências como nunca antes tinha sido visto. Estrategistas de Marina Silva (Rede), que começou a campanha com 11% das intenções de voto, constataram que ela foi desidratada a ponto de terminar o pleito com a estatura dos nanicos, em oitavo lugar e 1% dos votos. Mensagens em grupos de WhatsApp e Facebook, segundo esses analistas, pediam sem cessar o voto útil contra Haddad e o apoio a Ciro Gomes, levando embora votos de Marina. O decano deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) foi atropelado pelo mesmo fenômeno. Completando seu 11º mandato consecutivo, ele tentou uma vaga no Senado. Não teve nem chance diante dos mais de 4 milhões de votos para o deputado estadual Flavio Bolsonaro (PSL) e dos quase 2,4 milhões de votos para o deputado Arolde de Oliveira (PSD), que ficou em segundo lugar. A dupla deixou para trás o veterano César Maia (DEM) e Lindbergh Farias (PT). "Aqui, além do voto útil pregado pelas redes, enfrentamos a família Bolsonaro em seu território. Fora isso, os eleitores queriam renovação", diz Teixeira. Não foi diferente o que ocorreu com o ex-governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin. Com a maior coligação e um tempo recorde na propaganda eleitoral gratuita, Alckmin se preparou para alçar voo, mas não decolou. Aliados que atuaram na campanha dizem que, entre todos os candidatos, Alckmin fez o pior uso das redes. "Foi um erro nosso muito grande. Nossa campanha não percebeu a importância das redes sociais e investiu em soluções analógicas. Ignorou que essa é a comunicação", diz José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela. As redes sociais, segundo o cientista político Antônio Lavareda, foram essenciais para que Bolsonaro mantivesse a fidelidade dos seus eleitores e a imagem anti-PT. "E é essa imensa bolha que se retroalimenta que lhe dá grandes chances de vencer a eleição", diz Lavareda. De acordo com levantamento do Datafolha divulgado na semana passada, a maioria dos eleitores brasileiros (68%) tem conta em alguma rede social – 66% especificamente no WhatsApp. Neste ano de campanha mais curta, o dinheiro foi pouco e o tempo de televisão, breve. O aplicativo de conversa substituiu os demais meios e se tornou uma das plataformas mais importantes do pleito. "Não vivo sem o WhatsApp", diz o vendedor Jurandir Oliveira, baiano radicado em São Paulo e eleitor de Bolsonaro. Entre o eleitorado do deputado, a utilização do WhatsApp é maior do que a registrada pelos seus principais adversários. Segundo o Datafolha, 81% afirmaram usar o aplicativo, contra 59% de Fernando Haddad (PT), 72% de Ciro Gomes (PDT) e 53% de Geraldo Alckmin (PSDB). "A rede social, ainda que em alguns momentos não aumente o número de eleitores dispostos a votar em X ou Y, ela, sem dúvida, se encarrega de manter fiéis os que já decidiram o voto", diz Malic, do Labic. Nas 48 horas que antecederam o dia da votação, especialistas constataram uma espécie de corrida maluca de informações. Valeu tudo. Notícias verdadeiras, invenções e um absoluto descontrole. No Brasil, entre todas as mídias sociais, o WhatsApp é a mais complicada de lidar, diz Malic. Muitos o chamam de "buraco negro" porque é praticamente impossível controlar a disseminação de informação e desinformação que passam pelo sistema, por muitos chamados simplesmente de "Zap". Enquanto em países como a Índia uma informação pode ser compartilhada por cinco grupos, no máximo, no Brasil 20 grupos podem ser usados. "Há muito tempo que alertamos para a necessidade de uma regulamentação mínima que seja. Mas sem sucesso." Com esses ingredientes é muito fácil confundir eleitores principalmente porque, segundo estudos nos EUA, é imenso o componente emocional despejado em cada voto. Dessa forma, à medida em que aumenta o número de informações e mensagens, verdadeiras ou falsas, cresce na mesma proporção a angústia e a ansiedade do desconhecido que acabam por fomentar a desinformação. "No primeiro turno, debates, entrevistas, nada disso teve peso. As estruturas tradicionais dos partidos não funcionaram", afirma o cientista político e presidente da Arko Advice, Murilo Aragão.